A cidade de São Paulo e o Brasil ganham novamente um dos mais belos e emblemáticos palcos culturais a partir desta sexta-feira, 15 de dezembro. Após ficar quatro anos fechado em decorrência de um incêndio de grandes proporções que o atingiu em novembro de 2013, o Auditório Simón Bolívar, no Memorial da América Latina, será reaberto – totalmente restaurado e reformado, embora se tenha mantido o projeto original. Aliás, a data da reinauguração não poderia ser mais apropriada: trata-se do dia que marca os 110 anos de nascimento de um grande brasileiro, o saudoso Oscar Niemeyer – arquiteto que projetou o conjunto arquitetônico do Memorial –, que nos deixou em 2012.
Pessoalmente, tenho uma enorme satisfação por acompanhar a reabertura do auditório. Afinal, foi sob nossa gestão à frente do Ministério da Cultura que houve o encaminhamento desse processo, a partir da autorização para que a Fundação Memorial da América Latina captasse recursos por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (8.313/91), a Lei Rouanet. A partir de então, a reforma e o restauro do Auditório Simón Bolívar avançaram com rapidez ainda maior. Há que se ressaltar, sobretudo, o trabalho levado a cabo por João Batista de Andrade, então secretário-geral do MinC e que presidiu a Fundação Memorial por quatro anos.
As intervenções começaram ainda em dezembro de 2016, e a primeira etapa foi finalizada com 60 dias de antecedência em relação ao prazo inicialmente estipulado. Nos últimos três meses, foram finalizados os últimos detalhes – como a colocação das poltronas, tapeçaria, acabamento, segurança e mobilidade. O novo auditório contará com nada menos que 1.788 poltronas divididas entre as plateias A e B. O público fica acomodado em setores separados acusticamente, o que possibilita a realização de dois eventos de forma simultânea. As novas poltronas foram adquiridas a partir da captação de recursos via Lei Rouanet pelas empresas Cesp (Companhia Energética de São Paulo), Prodesp (Companhia Processamento de Dados do Estado de São Paulo), Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), CPPP (Centro de Parcerias Público Privadas) e Imprensa Oficial.
Vale destacar que a tapeçaria da artista Tomie Ohtake, considerada a maior do mundo e que revestia a parede lateral do espaço, foi totalmente refeita em uma peça única de 840 metros quadrados, com material não inflamável, e recolocada em seu local original. Outras duas obras danificadas pelo incêndio também foram recuperadas: a “Pomba”, escultura de Alfredo Ceschiatti, e o mural “Agora”, de Victor Arruda.
A engenharia financeira que permitiu grande parte do restauro e da recuperação do auditório só reforça a importância da Lei Rouanet para a cultura brasileira. Demonizada por setores da sociedade em função de desvios envolvendo a sua aplicação nos últimos anos – notadamente durante os governos de Lula e Dilma, ambos caracterizados pelo desmantelo moral e por uma sucessão de escândalos de corrupção –, a lei de incentivo exerce um papel determinante para fomentar a atividade cultural no país. Trata-se de um avanço que deve ser preservado. É evidente que ajustes são necessários para que se corrijam distorções, mas a legislação tem uma importância inquestionável.
Além do Auditório Simón Bolívar, a Lei Rouanet viabiliza obras de restauração em inúmeros museus pelo Brasil afora, entre outros projetos culturais, não se limitando aos espetáculos ou grandes shows musicais – esta é uma interpretação equivocada de muitas pessoas sobre a aplicação da lei. Para citarmos apenas um exemplo igualmente simbólico e importante para São Paulo e o Brasil: no fim do ano passado, participei da cerimônia de anúncio do início das obras de reconstrução do Museu da Língua Portuguesa, um dos mais visitados do país, também atingido por um incêndio. Assim como o seu surgimento, em 2006, a reconstrução completa do museu conta com recursos obtidos por meio da Lei Rouanet e de uma parceria entre o governo de São Paulo e um grupo de empresas, a chamada Aliança Solidária. Eis um exemplo lapidar da importância do trabalho conjunto entre a esfera pública e o setor privado, com papel de destaque exercido pela lei de incentivo à cultura.
Voltando ao Auditório Simón Bolívar, não há dúvida de que o Memorial da América Latina viverá uma noite inesquecível neste 15 de dezembro. Os 110 anos de nascimento de Oscar Niemeyer, arquiteto que transformou tantos sonhos em realidade a partir de seus traços, serão comemorados em grande estilo – com uma festa que terá na premiada Orquestra Jazz Sinfônica a sua principal atração, além da apresentação da harpista paraguaia Lucero Ovelar e de músicos do México, do Chile e da Argentina, entre outros países latino-americanos. Depois de uma longa espera, a cultura do Brasil e de todo o continente volta a ter mais este grande palco à sua disposição. Um palco à altura do Memorial.