Vitória democrata mostra que há caminho para derrotar um líder autoritário
Os democratas de todos os matizes, em todos os lugares do mundo, saúdam a vitória de Joe Biden, o 46º presidente eleito dos Estados Unidos da América. Com ele, a primeira vice-presidente da história do país, a senadora Kamala Harris, uma mulher negra, símbolo de que a luta contra o racismo e pelo processo de integração étnica, apesar dos pesares, continua naquele país.
E, ao saudarem a vitória, comemoram a derrota do obscurantismo, do negacionismo, do preconceito e da xenofobia de Donald Trump e de sua retórica tão divisa quanto corrosiva para os valores universais e democráticos – não apenas nos EUA, mas em todo o mundo. O baguncismo trumpista, como se sabe, estendia seus tentáculos para além de suas fronteiras, inspirando líderes extremistas em outros países e ameaçando o concerto entre as nações.
O muro de hipocrisia entre os EUA e o México; os campos de detenção de imigrantes, separados de seus filhos e deportados; as sinalizações a grupos supremacistas brancos dentro e fora de seu país; a saída dos norte-americanos do Acordo de Paris; os ataques à Organização Mundial da Saúde; a verdadeira cruzada contra os direitos das mulheres na Organização das Nações Unidas; as medidas protecionistas e a paralisação da Organização Mundial do Comércio; a ameaça, enfim, à governança global.Tudo isso é um resumo incompleto das razões por que um pouco mais de sensatez, racionalidade e humanismo à frente daquela que ainda é a maior potência mundial é salutar.
É um passo adiante no processo civilizatório, certamente com imensos desafios pela no porvir, mas deixando para trás um período sombrio e os riscos mais iminentes de uma convulsão social de desdobramentos incalculáveis.Para nós, brasileiros, as relações diplomáticas entre os dois países não mudariam substancialmente. Não fosse a condução desastrosa, pessoal e sabuja da política externa pela trinca formada por Ernesto Araújo, o ministro das Relações Exteriores; Filipe Martins, assessor internacional e vidente de filme B que garantira aos bolsonaristas a vitória de Trump; e Jair Bolsonaro, o presidente que pensa ser amigo, mas é constantemente humilhado em sua subalternidade ao norte-americano.
O país nada ganhou com a histeria fanática de Bolsonaro, que colocou seus interesses pessoais com Trump acima dos interesses de Estado. Falam por si as sobretaxas ao aço brasileiro, um déficit explosivo na balança com os EUA, retaliações da China, nosso maior parceiro comercial, e um crescente isolamento no exterior. Ao ponto de a nulidade que comanda o Itamaraty ostentar orgulhosamente o título de pária internacional.
Mas esse alinhamento bisonho a Trump terá ao menos um efeito colateral positivo mais imediato: a pressão que Biden certamente passará a fazer contra a ação de criminosos na Amazônia e no Pantanal, que continuam a ser destruídos pelo fogo, e pela leniência de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, e Bolsonaro.Para a política, o exemplo da vitória democrata mostra que há um caminho para derrotar um líder autoritário, extremista e populista. Os democratas trilharam o caminho do centro, reunindo todas as forças do partido, a esquerda, os liberais, de Bernie Sanders a Pete Buttigieg, e venderam união e esperança.
Em seu protofascismo, Bolsonaro é um seguidor e imitador barato de Trump. Caberá a nós, aqui, reunirmos o pólo democrático, buscando mais as nossas convergências do que as divergências, para oferecer aos brasileiros, em 2022, um projeto alternativo aos extremos. Que ouça e enxergue os que se sentem esquecidos, fale a todos os brasileiros em sua diversidade e lhes dê esperança de um futuro melhor.
Quanto a Biden, seguiremos vigilantes. Como pedem as democracias.
*Roberto Freire é presidente nacional do Cidadania