Andréia Sadi,* g1
A escalação de Sergio Moro (União Brasil) repete a tática de Jair Bolsonaro (PL) de colocar entre ele e Lula (PT) um personagem para provocar o adversário em temas considerados sensíveis: no debate da Globo, foi Padre Kelmon (PTB) e religião. No da Band neste domingo, escalou Moro por conta de corrupção.
A ideia usada pela campanha do atual presidente partiu do ministro das Comunicações, Fábio Faria, que procurou Moro. O ex-juiz da Lava-Jato topou e, ao ser perguntado pelo blog do porquê foi até o debate, disse que achou que seria “útil’ no embate contra o petista.
Aliados dizem que Moro tem repetido a Bolsonaro que ele não é mais juiz e, sim, um político.
Mais uma vez, Bolsonaro usa Moro – e Moro se deixa usar. Mas por quê? Já que, passados quatro anos, Moro e Bolsonaro não tiveram um simples desentendimento como querem fazer parecer, agora. Moro acusou o Bolsonaro de interferir em investigações da PF para proteger seus filhos e amigos – além de chamar o presidente de ladrão, afirmar que, se deixarem investigar, vão achar “muita coisa” no governo Bolsonaro, e dizer que as pessoas da família do presidente – como Carlos – são “irrelevantes, totalmente irrelvantes.”
Moro também não consegue explicar como fica o inquérito no STF que está aberto por acusação sua de que Bolsonaro cometeu um crime ao interferir na Polícia Federal. Ao deixar o governo Bolsonaro, Moro destacou em sua coletiva que a Lava Jato só conseguiu investigar a corrupção na Petrobras porque o governo Dilma deu autonomia para a PF.
Mas o ex-juiz desconversa sobre a investigação no STF. Diz que “agora é uma questão de eleição” e vê como ‘golpe moral” se Lula ganhar a eleição. Já bolsonaristas, Centrão e petistas veem de outras formas a sua presença ao lado de Bolsonaro.
No Centrão, a adesão de Moro à campanha de Bolsonaro como coach é vista como um novo reposicionamento de carreira de Moro. Na verdade, tenta retomar um antigo objetivo: criar condições para que, se Bolsonaro for reeleito, ele figure entre candidatos para ocupar uma vaga no STF (não se sabe se em um STF com 11 ou 16 ministros, como cogita o governo).
Bolsonaro já chegou a dizer que esse era o grande objetivo e acordo com Moro – o que ele nega.
Perguntado sobre o Supremo Tribunal Federal, Moro nega – assim como negava que seria candidato à Presidência ou ao Senado (como conseguiu se candidatar nesta eleição).
No Centrão, a piada é que o bloco enquadrou Bolsonaro ao conseguir o controle do Orçamento Secreto e, com Moro na cadeira do Parlamento, o ex-juiz só iria para o STF se fosse enquadrado também: fizer “carta compromisso” e “beija-mão” com políticos de partidos que colocou na cadeia – e com quem, agora, fez carreira. O PP, de Ciro Nogueira, por exemplo, foi um dos partidos mais investigados na operação que lançou Moro à fama.
No domingo, Moro estava lado a lado não só com Ciro – mas, também, na caravana do Team Bolsonaro com Frederick Wassef, que abrigou o pivô do escândalo da rachadinha em sua casa: Fabricio Queiroz. A rachadinha que, para Moro, no passado recente (janeiro deste ano), foi motivo de ataque do ex-juiz a Bolsonaro.
“Vamos dar uma sugestão para o Bolsonaro: vamos pedir para ele abrir as contas lá do gabinete parlamentar dele, do filho dele, lá do Queiroz… Você tem uma mansão lá no Paranoá?”, desafiou Moro, em live transmitida para dar explicações sobre seus ganhos com uma consultoria privada que tinha entre seus clientes alvos da Lava Jato.
No PT, a reconciliação de Moro ao bolsonarismo é mais uma demonstração de que Moro sempre foi político e que pensa a longo prazo. Nesse caso, na visão de assessores de Lula, ao se colocar no campo bolsonarista, o ex-juiz pode disputar como futuro candidato à sucessão presidencial de Bolsonaro em 2026.
No próprio Planalto, Moro se coloca como sucessor presidencial em 2026 porque não tem nada a perder. Em eventual derrota na disputa presidencial, Moro voltaria ao Senado. “Mas, para conseguir isso, precisa que Bolsonaro ganhe”, diz um ministro do governo Bolsonaro.
A única questão, aqui, é que falta combinar com quem realmente manda: a família Bolsonaro, o Centrão – além dos políticos que estão sentados nessa janelinha bolsonarista há muito mais tempo – e sem rachadinha na aliança Tarcisio e Zema, para citar alguns (quem sabe Damares?).
E Bolsonaro? O que quer Bolsonaro? Bom, como define bem um assessor: Bolsonaro quer descer para o play e brincar com o adversário, provocando com Padre Kelman, Moro e quem mais se habilitar a ser assistente de palco do bolsonarismo.
No caso de Moro, o efeito é mais profundo porque fala com o eleitor de 2018 que votou em Bolsonaro “contra tudo que está aí”, que era o centrão e o PT – todos alvos da Lava Jato que, como contou Moro, esse governo enterrou.
Mas, vida que segue para Moro e, agora, é garantir que seu desafeto pessoal, o ex-presidente Lula, não reassuma o Palácio do Planalto.
Para isso, está à disposição de Bolsonaro para recriar o ambiente de 2018 de lavajatismo, o gatilho dessa memória afetiva que tirou Lula da disputa e, ao mesmo tempo, é uma das últimas apostas de Bolsonaro para dar o empurrãozinho para rifar Lula em 2022.
Resta saber como a população verá a tabelinha Bolsonaro-Moro nesse remake.
Texto publicado originalmente no portal g1.