A presunção do PT e de suas linhas auxiliares (como o PSOL, onde está Chico) é a principal responsável pela eleição de Bolsonaro
Anteontem, Chico Alencar, ex-deputado federal pelo PT e pelo PSOL, publicou neste espaço o artigo “Desafios do PT aos 40 anos”, sobre as perspectivas do Partido dos Trabalhadores.
Chico afirma que, antes de 1980, os partidos eram “ajuntamentos de interesses aristocráticos”, mas que o PT “veio das praças para os palácios” e “chegou criticando experiências autoritário-burocráticas do ‘socialismo real’”. O PT de fato nasceu com a promessa de ser um partido democrático, mas até que ponto a cumpriu?
Em 1985, as forças progressistas apoiavam Tancredo Neves, um democrata, mas o PT, amuado com a derrota das Diretas Já, recusou-se a votar, preferindo o risco da vitória de Paulo Maluf, candidato da ditadura. E, “democraticamente”, expulsou os três petistas que votaram em Tancredo.
O PT votou contra a Constituição “cidadã” que ajudou a escrever — e quase não a assinou. Em 1989, contra Collor, o PT “democraticamente” cindiu os brasileiros entre “nós” (os virtuosos) e “eles” (a direita, os canalhas, a elite branca de olho azul, os coxinhas, os fascistas), periodicamente reeditando a polarização.
O PT combateu o Plano Real, recusou uma aliança natural com o PSDB, colou no partido a etiqueta “direita”, fez uma oposição sistemática ao governo FHC. Lutou pelo impeachment de todos os presidentes não petistas, e não criou liderança relevante além daquele que, até da cadeia, é o chefe supremo. O partido “dos trabalhadores” vota contra a reforma do Estado e a favor dos privilégios das corporações (a nova aristocracia), enquanto defende o “socialismo real” de Cuba e Venezuela e advoga o “controle social” da mídia, dita “golpista”.
Segundo Chico, ao chegar ao poder, o PT “fez alianças desconsiderando fronteiras éticas, mais pragmáticas que programáticas”, e falhou na “construção de uma ‘nova gramática’ do poder, inclusive na formulação de uma política econômica alternativa”.
Os defeitos do PT vêm de antes da chegada ao poder (resultante, em parte, do apoio do PTB, comprado com dinheiro vivo), mas Chico é um tanto injusto em sua “crítica”. Corrupção costuma ser coisa desorganizada, cada um roubando como pode; já corrupção planejada, operada de forma centralizada pelo Palácio do Planalto, com mesada para parlamentar e objetivo estratégico, é uma “‘gramática’ do poder” que “nunca antes neste país” se viu. Já a “nova matriz econômica” — que atirou o país na maior recessão de todos os tempos e criou desemprego recorde — é, sem dúvida, uma “política econômica alternativa”.
O ex-deputado afirma que “a direita viralizou a falsa ideia de que a corrupção sistêmica, estrutural e antiga de 500 anos tinha sido inaugurada pelo petismo”, e que, com isso, “parte da população passou a perceber o PT como um partido igual aos demais”. Pelo jeito, é errado achar que quem rouba como os demais é igual aos demais. Mas isso de pôr o Legislativo na folha de pagamento do Executivo, num atentado à separação de Poderes e à democracia, não tem 500 anos: foi inaugurado pelo petismo, mesmo. Chico é um homem íntegro, mas não teria saído do partido por uma banalidade.
Chico alerta que “a boa tradição [da autocrítica] da esquerda precisa ser revitalizada”, e isso é “tão importante quanto constituir uma frente democrática, progressista e antifascista”. O problema é que a esquerda brasileira, quando faz autocrítica, sempre chega à conclusão de que não fez nada muito errado e segue, altaneira, no mesmo caminho. Ora, se, como diz Chico, a corrupção petista é “antiga de 500 anos” e a política econômica não foi “alternativa”, que erros é preciso reconhecer? De comunicação?!
Enquanto a esquerda não desapegar de Lula e reconhecer que o mensalão e o petrolão foram monstruosidades e que a política econômica petista foi catastrófica, não haverá “frente democrática, progressista e antifascista”.
A presunção do PT e de suas linhas auxiliares — como o PSOL, onde está Chico — é a principal responsável pela eleição de Bolsonaro. Que, com esse tipo de “autocrítica”, será reeleito. O capitão agradece.
*Ricardo Rangel, hoje sem partido, foi candidato a deputado federal pelo Partido Novo em 2018