É bom Eduardo pacificar o partido rapidamente: se Joice e Waldir depuserem na fúria em que estão, o estrago pode ser grande
‘A crise viajou”, dizia FHC quando Sarney saía do país. Hoje o presidente viaja, mas deixa os filhos, e leva o twitter, de modo que a balbúrdia no PSL prossegue. Do outro lado do mundo, Bolsonaro virou o jogo e emplacou o filho líder do partido. No dia seguinte, bradou “Banzai! Banzai! Banzai!” num tuíte.
“Banzai” é uma interjeição que significa “dez mil anos” e costuma ser usada como saudação ao imperador ou como grito de guerra desesperado — como faziam os kamikazes na Segunda Guerra. Não ficou claro por que Bolsonaro a empregou três vezes. Talvez, além de saudar Naruhito, tenha declarado dois ataques desesperados, a Luciano Bivar e ao peixe cru.
O peixe cru venceu, e o presidente retirou-se, derrotado, para comer miojo no quarto do hotel. A saudação a Naruhito foi pelo ralo depois de Bolsonaro contar que preferiu miojo ao banquete (a vingança nipônica foi instantânea como o macarrão: miojo, uma versão vagabunda, para quem não tem dinheiro nem paladar, do “lamen”, é invenção de japonês). Quanto a Bivar, ninguém sabe no que vai dar.
Ou, vai ver, Bolsonaro confundiu “Banzai!” com “Tora! Tora! Tora!”, o código usado pelos japoneses para avisar do sucesso do traiçoeiro bombardeio a Pearl Harbor (“tora” significa “ataque relâmpago”), e estava comemorando o ataque relâmpago e traiçoeiro (segundo os bivaristas) que instalou Zero Três na liderança. Jair revelou que a tarefa do herdeiro é “pacificar” o PSL.
“Para o bem do povo e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico”, anunciou, da tribuna, o príncipe-regente, digo, deputado. Magnânimo, Eduardo abriu mão da mais alta colocação diplomática do país para tornar-se líder do PSL — posto que, como se sabe, é importantíssimo para a República.
Conciliador, Zero Três anunciou que não haverá retaliação, e iniciou a pacificação destituindo 12 vice-líderes. Explicou que vai apenas retomar o status quo — aprendeu o significado de “status quo” com o Marechal Lott, que, em 1955, devolveu o país “aos quadros constitucionais vigentes”. Ou com o documentário em que diz ter estudado o papel da Princesa Isabel na Independência. Indagado sobre a marca de sua gestão, respondeu que será a paz. Pelo jeito, a paz dos cemitérios.
Abordado pela imprensa após a primeira reunião (entrou mudo, saiu calado) como líder, Zero Três demonstrou que tem preparo e fôlego para o cargo: correu, desesperado, três anexos com obstáculos. Rocha Loures correu para esconder o dinheiro; Witzel, para comemorar a morte do terrorista; Eduardo, para ocultar suas ideias (ou a falta delas): as personagens mudam, as corridas insólitas permanecem.
A oposição enfim acordou e convidou Joice Hasselmann e o Delegado Waldir para a CPMI das Fake News. Waldir é o ex-líder, deposto por Eduardo, que se referiu a Jair Bolsonaro como “vabagundo” e “essa porra”, afirmou ter uma gravação capaz de derrubá-lo e informou que não se subordina a “nenhum presidente”. Ao ouvir o áudio do Queiroz (que diz ainda ter influência com os Bolsonaro e será convidado para a CPMI também), Waldir entendeu que “em nenhum momento a rachadinha parou” e disparou: “ao fingir que a corrupção não ocorre, é visível que ele (Bolsonaro) se afastou das propostas de campanha”.
Ex-líder do PSL no Congresso, Joice foi destituída pelo presidente, e o acusa de ingrato. Diz que Eduardo é canalha, picareta, moleque e zero à esquerda (Eduardo é zero à esquerda e três à direita), e assinou pedido para destituí-lo do comando do PSL de São Paulo. Afirma que os filhos de Bolsonaro controlam “milícias digitais” com 1.500 perfis falsos para difamar e disseminar notícias falsas, e que se produz material “dentro do gabinete do presidente”. Promete dar detalhes na CPMI.
É bom Eduardo pacificar o partido rápido: se Joice e Waldir depuserem na fúria em que estão, o estrago pode ser grande. Melhor Jair se preparando para bradar “Banzai!” novamente.
E, enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal vai demonstrando que Stefan Zweig, que disse que o Brasil é o país do futuro, estava certo, mas que mais certo estava De Gaulle, que esclareceu que continuaremos sendo o país do futuro indefinidamente. “Dez mil anos!”, diria Naruhito.
*Ricardo Rangel é empresário