Traficante solto fugiu para o exterior
O autor da lambança foi o Congresso que, no ano passado, ao aprovar o pacote anticrime que o governo lhe remeteu, deu nova redação ao artigo 316 do Código de Processo Penal incluindo a exigência da revisão de prisão preventiva a cada 90 dias. Antes não havia prazo para isso.
O coautor da lambança foi o presidente Jair Bolsonaro. À época, a Procuradoria-Geral da República pediu à Casa Civil da Presidência o veto ao artigo em sua nova redação. Alertou para a impossibilidade da revisão em prazo tão curto. O então ministro da Justiça, Sérgio Moro, também pediu que Bolsonaro vetasse.
Mas o presidente sancionou o pacote tal como o recebeu do Congresso. No mesmo dia, nas redes sociais, justificou-se: “Na elaboração de leis quem dá a última palavra sempre é o Congresso. Não posso sempre dizer não ao Parlamento, pois estaria fechando as portas para qualquer entendimento”.
Conversa fiada. Não poucas vezes, Bolsonaro vetou no todo ou em parte projetos aprovados pelo Congresso. Tem esse direito. E não poucas vezes, o Congresso derrubou seus vetos. A última palavra, de fato, é do Congresso. Que em muitas ocasiões se conforma e mantém os vetos do presidente. É assim que as coisas funcionam.
Ao aceitar o habeas corpus para soltar André do Rap, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que o traficante, com duas condenações, estava preso, sem culpa formada, desde o fim de 2019. E que de lá para cá não houve a revisão de sua prisão preventiva como manda a lei.
Mello leu a lei ao pé da letra, como costuma fazer. Há uma corrente de juízes que acha que deve ser assim. Mas há outra que acha que cabe ao juiz interpretar a lei e aplicá-la levando em conta as circunstâncias, não só o que ela diz. Foi por isso que o ministro Luiz Fux, presidente do tribunal, suspendeu a decisão de Mello.
O plenário do Supremo, por larga maioria de votos, confirmará a decisão de Fux, revogando a de Mello. É a tendência. Mello não esquentará a cabeça porque perderá outra vez. Com frequência, vota na contramão dos demais ministros e não esconde o prazer que sente com isso. Mello se aposenta em julho do próximo ano.
Até lá, terá outras oportunidades de fazer o que mais gosta – marcar posição, causando polêmica e atraindo os holofotes para si. Dele, no passado remoto, um mordaz ex-ministro do Supremo já disse que é um jurista notável e com uma grande vantagem: confia cegamente na sensatez dos seus colegas de tribunal.
O “Efeito Bolsonaro” aumentou o número de casos da Covid-19
Onde ele foi mais votado, a pandemia foi pior
Bolsonaro jamais ameaçou beijar os seus devotos, como fez o presidente Donald Trump em comício, ontem à noite, na Flórida. “Eu me sinto tão poderoso”, disse Trump, sem máscara, depois de ter sido infectado pelo coronavírus. “Vou beijar todo mundo. Vou beijar os caras e as mulheres lindas. Dar um grande beijo”.
Mas, também sem máscara, Bolsonaro abraçou, carregou crianças, posou para fotos e provocou aglomerações, antes e também depois de ter sido infectado. E seu exemplo, e também a maneira como tratou o coronavírus que não passaria de uma gripezinha, ajudou a aumentar a pandemia no Brasil.
Foi o que concluiu um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro em parceria com o Instituto de Radioproteção e Dosimetria. O levantamento cruzou os dados de expansão da doença com o resultado da votação em primeiro turno nas eleições presidenciais de 2018 nos 5.570 municípios do país.
Conclusão: há uma correlação entre a preferência por Bolsonaro e a expansão da Covid-19. Para cada 10 pontos percentuais a mais de votos para Bolsonaro há um acréscimo de 11% no número de casos de vírus e de 12% no número de mortos, segundo a Folha de S. Paulo. O texto da pesquisa destaca:
– O estudo mostrou que a Covid-19 causa mais estragos nos municípios mais favoráveis ao presidente Bolsonaro. Podemos pensar que o discurso ambíguo do presidente [e a sua postura] induz seus partidários a adotarem com mais frequência comportamentos de risco e a sofrer as consequências.
Outro estudo da Universidade Federal do ABC, Fundação Getúlio Vargas e Universidade de São Paulo chegou à mesma conclusão. Nas ocasiões em que Bolsonaro minimizou a pandemia, o isolamento social diminuiu – e mais pessoas se contaminaram e morreram nos locais em que ele foi mais votado.