Ricardo Noblat: Recado do general Santos Cruz aos seus colegas e a quem interesse

Sobre o papel do Exército.
Foto: MONUSCO/Sylvain Liechti
Foto: MONUSCO/Sylvain Liechti

Sobre o papel do Exército

Ex-chefe da Secretaria de Governo da presidência da República, demitido por Jair Bolsonaro a pedido dos seus filhos, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, criticou, ontem, o uso do Exército para uma convocação de atos de rua contra o Congresso.

Circula nas redes sociais de bolsonaristas um cartaz com a foto de quatro militares do governo e a frase: “Fora Maia e Alcolumbre”. Maia é Rodrigo (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados. Alcolumbre, David (DEM-AP), o presidente do Senado.

Embaixo da foto, onde aparecem, entre outros, os generais Hamilton Mourão, o vice, e Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, está escrito: “Vamos às ruas em massa. Os generais aguardam as ordens do povo”.

Como os retratados e ninguém pelo Exército se pronunciaram sobre o cartaz assinado pelos Movimentos Patriotas e Conservadores do Brasil”, Santos Cruz decidiu fazê-lo. E ensinou na sua conta no Twitter a quem interessar, possa:

“IRRESPONSABILIDADE
Exército Brasileiro – instituição de Estado, defesa da pátria e garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. Confundir o Exército com alguns assuntos temporários de governo, partidos políticos e pessoas é usar de má fé, mentir, enganar a população.”

Duas horas depois, trocou a mensagem anterior por esta:

MONTAGEM IRRESPONSÁVEL

Exército – instituição de Estado, defesa da pátria e garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. Não confundir o Exército com alguns assuntos temporários. O uso de imagens de generais é grotesco. Manifestações dentro da lei são válidas.”

O que se passou entre uma mensagem e outra, só Santos Cruz sabe.

Moro, um ministro e aplicado leitor do Manual da Pós-Verdade

Enquadrar Lula na Lei de Segurança Nacional foi só “uma confusão”

Ensina o Manual da Pós-Verdade no artigo 22º (ou no 48º, ou no 101º ou em outro qualquer): se lhe atribuem algo prejudicial que disse ou que fez, negue. Não importa que tenha dito ou feito. Simplesmente negue e seja enfático ao negar. Se de todo, porém, for impossível, diga que foi mal interpretado ou que retiraram de contexto o que disse.

O ministro Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública, é um leitor aplicado do manual desde que largou a toga para servir ao presidente Jair Bolsonaro. Como juiz, já era um bom leitor. Mas como poucos, fora os eventuais acusados por crimes, ousavam contestar seu comportamento e suas decisões à época, não precisou valer-se do manual com assiduidade.

Seu atual chefe, não. É um caso especial. Bolsonaro enriquece o manual diariamente com pensamentos, palavras e obras, e por sua culpa, sua máxima e exclusiva culpa. O ministro Paulo Guedes, da Economia, está no estágio incial: aprende mais com o manual do que se aproveita dele. Moro não pode se queixar: aprende célere e sua popularidade segue intacta.

Ante o estupor do mundo jurídico ao saber que ele invocara um artigo da Lei da Segurança Nacional, antigo instrumento da ditadura militar de 64, para mandar investigar declarações ofensivas feitas por Lula contra Bolsonaro, Moro acabou recuando. Recuando, não. Disse que não invocara a lei e que tudo não passara de “confusão”. Jogou a culpa no seu ministério.

Vamos aos fatos. Em 11 de novembro último, Lula disse, entre outras coisas, que o Brasil não poderia ser governado por um presidente miliciano ou a eles ligado. No dia 22, Moro pediu à Polícia Federal a abertura de inquérito para apurar se o que dissera Lula poderia configurar crime contra a honra de Bolsonaro. “Em especial”, escreveu Moro, Lula havia caluniado o presidente.

No dia 26, “considerando” o pedido de Moro, o inquérito foi aberto “para apurar possível ocorrência do delito de calúnia/difamação previsto no artigo 26 da lei 7170/83”, informou a Polícia Federal. A dita ganhou o nome de Lei da Segurança Nacional ao ser baixada em dezembro de 1983 pelo último presidente do ciclo de generais da ditadura, João Batista Figueiredo.

Um instrumento tão infame, usado para perseguir, calar e encarcerar os que lutavam pela liberdade, continua em vigor, embora os governos da redemocratização para cá evitem acioná-la. Se, como insiste em dizer Moro, ele não a acionou, ficou sabendo que a Polícia Federal a acionara, sim. Poderia ter dito então: “Por aí, não”. Não disse. Preferiu o silêncio.

No último dia 19, após Lula ter sido ouvido pela Polícia Federal, o Ministério da Justiça, em nota, informou que a fala dele contra Bolsonaro “pode ter configurado os crimes previstos no artigo 138 do Código Penal e no artigo 26 da Lei de Segurança Nacional”. Ambos tratam de crimes de calúnia e difamação. Moro levou 10 dias para só agora dizer que foi tudo uma confusão.

Na semana passada, finalmente, o inquérito foi enviado à Justiça. Segundo a Polícia Federal, não faz menção à Lei de Segurança Nacional. O que concluiu o inquérito? A saber-se mais adiante. O que concluir do desempenho de Moro no caso? Ora, concluam o que quiserem. Moro está numa boa. Foi a Fortaleza e voltou de lá dizendo que não viu desordens. Tributo ao manual.

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