Que país é este?
Antes já se viu presidente da República orientar seus aliados no Congresso para votarem contra projetos que ele mesmo propôs. Alguns fizeram isso, mas de maneira discreta. Jair Bolsonaro é o primeiro a recomendar publicamente aos seus aliados que derrotem uma decisão que ele não gostaria de ter tomado.
Trata-se do veto à parte da anistia concedida pelo Congresso a tributos que deveriam ser pagos por igrejas, medida que poderia produzir um impacto de R$ 1 bilhão no Orçamento da União. Para superar o que ele sentiu-se obrigado a fazer, Bolsonaro mandará ao Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição.
Quer dizer: ele concorda em bancar o impacto R$ 1 bilhão no Orçamento. Só vetou porque o projeto de lei aprovado pelo Congresso “apresentava obstáculo jurídico incontornável”. Se o sanciona, poderia ser acusado de “crime de responsabilidade”. Bolsonaro escreveu nas redes sociais:
– Confesso. Caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo.
Bolsonaro não quer ficar mal com sua base de apoio evangélica. Vinha sendo pressionada por ela a não vetar. A Frente Parlamentar Evangélica do Congresso é composta por 195 dos 513 deputados e por oito dos 81 senadores. Esse pessoal tem muita bala na agulha – Isto é: muito voto a dar a candidatos necessitados.
O governo avalia que, apesar da revolta dos religiosos com o veto, eles dificilmente romperão com Bolsonaro porque não haverá em 2022 candidato mais afinado com suas ideias do que o atual presidente. Que trabalhem, pois, para derrubar o veto. E segue o baile. Situação sob controle, só não se sabe exatamente de quem.
Bolsonaro torce por Lula livre e candidato em 2022
Depende de Celso de Mello
Só se realmente preferir, o presidente Jair Bolsonaro será interrogado presencialmente por delegados da Polícia Federal e advogados de defesa do ex-ministro Sérgio Moro no processo que apura se ele de fato tentou interferir onde não devia – no caso, na Polícia Federal que queria pôr sob seu controle.
Como Bolsonaro tem a prerrogativa de escolher dia e hora para cumprir a ordem do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, poderá empurrar a decisão com a barriga. Até que Celso se aposente, em outubro. E até que os demais ministros do tribunal confirmem ou revoguem a ordem dada por ele.
Bolsonaro está sendo aconselhado a valer-se de recursos judiciais e a ganhar tempo à espera do adeus de Celso. Vozes isoladas a quem ele dá ouvidos sugerem o contrário para que não corra o risco de comprometer a melhora nas suas relações com o tribunal, agora sob o comando do ministro Luiz Fuz, recém-empossado.
Para Celso, tanto faz como tanto fez. Cumpriu sua missão no processo. De resto, a competência para denunciar Bolsonaro ou absolvê-lo da acusação feita por Moro não é sua, é do Procurador-Geral da República, Augusto Aras. Parece remota a hipótese de Aras denunciar Bolsonaro, a quem deve seu cargo.
Celso tem mais o que fazer antes de começar a limpar as gavetas do seu gabinete. A defesa de Lula levantou a suspeição de Moro nos processos que o condenou. A questão será examinada pela Segunda Turma do tribunal. O placar, ali, está empatado – 2 a 2. Caberá a Celso desempatar, talvez seu último voto como ministro.
Se desempatar contra Lula, tudo fica como está. Ou seja: com seus direitos políticos cassados, Lula, um ficha suja, não poderá ser candidato às próximas eleições. Se Celso desempatar a favor de Lula, a eleição de 2022 oferecerá aos brasileiros fortes emoções. Bolsonaro torce em silêncio para que dê Lula na cabeça de Celso.
Lula livre e ainda por cima candidato significaria a esquerda rachada e menos espaço para o surgimento de um nome do centro capaz de tirar Bolsonaro do segundo turno. Não teria para mais ninguém. Mamão com açúcar. Polarização acirrada, bem ao gosto de Bolsonaro. Reeleição à vista. É, pelo menos, o que ele imagina.