Bolsonaro não o mandará embora, nem o impedirá de sair
De repente, o governo ficou pequeno demais para abrigar ao mesmo tempo os ministros Paulo Guedes, da Economia, e Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional. Uma dos dois acabará sobrando, e se depender do presidente Jair Bolsonaro, e dos militares que o cercam, não será Marinho.
Quem mais agrada um governante que só pensa em se reeleger? O ministro que diz: não pode gastar tanto assim ou o ministro que diz o contrário? Até quando Bolsonaro conseguirá se equilibrar entre Guedes e Marinho? Ou melhor: até quando conseguirá manter os dois no governo em meio a tanta turbulência?
Em conversa reservada, ontem, com investidores e economistas em São Paulo, Marinho criticou a política de Guedes e disse que ele foi o autor da proposta de dar um calote no pagamento de dívidas judiciais do governo para financiar o programa Renda Cidadã. Dias antes, Guedes negou que tivesse algo a ver com isso.
A reação de Guedes às críticas de Marinho foi imediata e dura. Mal desceu do carro à porta do seu ministério, Guedes foi logo dizendo que não acreditava que Marinho o tivesse criticado, mas se de fato o fizera, não passava de um “despreparado, desleal e fura-teto”. Se não acreditava porque atacou seu colega de governo?
Faltou o general Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de governo, para puxar Guedes pelo braço e tirá-lo de cena como fez na semana passada. Marinho está para a reeleição de Bolsonaro como Guedes esteve para a eleição. Bolsonaro não mandará Guedes embora, mas não o impedirá de sair.
Resta saber se Guedes adotará a “receita Mandetta”. Ao concluir que seus dias como ministro estavam no fim, Henrique Mandetta decidiu que não pediria demissão. Se quisesse, que Bolsonaro o demitisse. Foi o que Bolsonaro acabou fazendo. Sérgio Moro, não, demitiu-se e aparentemente não se deu bem por ter agido assim.
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O chamado mercado financeiro, essa poderosa entidade sem rosto, sem sede própria, sem mandato obtido por meio do voto popular, mas capaz de dar as cartas no país, avisou ao presidente Jair Bolsonaro que não gostou nem um pouco da nomeação de Kássio Nunes Marques, “o nosso Kássio”, para ministro do Supremo Tribunal Federal na vaga de Celso de Mello.
Nada de pessoal contra ele. É porque o dito mercado se preocupa com Bolsonaro e aposta na sua reeleição. Por isso, teme que a escolha de Kássio, avalizada pelo senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, reforce a impressão de que o governo está aparelhando a mais alta corte de Justiça do país, e isso pode gerar maior insegurança jurídica, o que não é bom para os negócios.
Bolsonaro não está nem aí. A escolha relâmpago de alguém tão improvável como o desembargador piauiense não se deu apenas porque Bolsonaro é impulsivo. Teve muito cálculo político nisso. Era uma maneira de amarrar ainda mais o Centrão ao governo e de garantir a aprovação pelo Senado do nome do novo ministro. E de esterilizar a esquerda a quem Kássio já foi ligado.
Era também uma maneira de fustigar Celso, que detesta Bolsonaro e de quem se espera um duro discurso de despedida. E de não dar tempo ao ministro Luiz Fux para que sentasse na cadeira de presidente do Supremo e começasse a puxar as rédeas que o cargo lhe oferece. Por isso ele só ficou sabendo da nomeação de Kássio pela imprensa, e passou recibo do golpe que levou.
Fux e Bolsonaro não se bicam. No ano passado, aconselhado pelo ministro Dias Toffoli, Bolsonaro convidou Fux para um encontro. Fux agradeceu o convite, mas não foi. Bolsonaro compareceu em setembro último à cerimônia de posse de Fux que sucedeu Toffoli na presidência. Mas nem assim recebeu um tratamento especial. Fux é a favor da Lava Jato, Bolsonaro contra.
De resto, nas contas de Bolsonaro, quanto mais rápido o “nosso Kássio” possa envergar sua toga novinha em folha, mais se avizinhará a ocasião de Sérgio Moro, uma pedra no sapato dele, ter seu pedido de suspeição aceito pelo tribunal. Tudo indica que Kássio substituirá Celso na Segunda Turma, herdando todos os processos que a ele caberia julgar se não se aposentasse.
E ali, por ora, há dois votos a favor do pedido de suspeição de Moro no processo do tríplex do Guarujá que tornou Lula inelegível, e dois votos contra. Kássio poderá desempatar contra Moro – para satisfação de Lula e também de Bolsonaro. Condenado em outro processo, o do sítio de Atibaia, Lula dificilmente será candidato a presidente em 2022 como o PT quer.
Moro, candidato contra Bolsonaro, passaria a campanha tendo de explicar por que ganhou do Supremo o carimbo de juiz parcial. Quer carimbo pior? É com isso que sonha Bolsonaro. É para essas e outras cositas mais que o “nosso Kácio” foi nomeado. A sorte de Flávio, denunciado por lavagem de dinheiro e rachadinha, ao fim e ao cabo será decidida pelo Supremo. Acordão à vista.