Um agosto para não pôr defeito
Por que os advogados de Walter Delgatti Neto, vulgo “O Vermelho”, que confessou à Polícia Federal ter invadido os celulares de mil autoridades, entre elas os chefes dos três poderes da República, soltaram uma nota, ontem, onde informam a quem interessar possa que todas as informações obtidas pelo hacker estão guardadas por “féis depositários” tanto no Brasil como no exterior?
Se a advertência não for um blefe, a resposta é simples, segundo pessoas que acompanham de perto as investigações: trata-se de uma ameaça. Delgatti Neto quer dizer com isso que se não for bem tratado poderá revelar informações às quais a Polícia Federal não teve acesso quando apreendeu documentos, celulares e computadores que ele usava até ser preso na semana passada.
O mesmo tipo de advertência foi feita pelo jornalista Glenn Greenwald, um dos editores do site The Intercept Brasil, quando começou a publicar há pouco mais de um mês as mensagens trocadas entre si pelos procuradores da Lava Jato de Curitiba, e as de Deltan Dallagnol com o então juiz Sérgio Moro. É um cuidado natural que se toma em casos como esse.
Moro avisou ao presidente Jair Bolsonaro que ele foi hackeado. Vazou da Polícia Federal a notícia de que também foram hackeados os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, e ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, fora ministros do governo e até jornalistas. Quem pagará para ver se os advogados de Delgatti Neto mentiram em sua nota?
Brasília passou o último fim de semana fervendo. E ferverá ainda mais a partir desta semana quando políticos e ministros de tribunais superiores retornarem das férias do meio de ano do Congresso e do Judiciário. Agosto começará na próxima quinta-feira. E diz a lenda que não existe mês mais aziago para a política brasileira. Duvida? Alguns fatos sustentam a lenda.
Em 13 de agosto, em um acidente aéreo, morreu Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco e então candidato a presidente da República. Em 22 de agosto, o ex-presidente Juscelino Kubistchek morreu em um acidente de carro. Em 24 de agosto, o presidente Getúlio Vargas se suicidou com um tiro no coração. Em 25 de agosto, Jânio Quadros renunciou à presidência da República.
Foi também em agosto que uma trombose cerebral retirou da presidência da República o general Arthur da Costa e Silva, substituído por uma junta militar.
E em agosto foi derrubada a então presidente Dilma Rousseff por meio de um processo de impeachment. Assumiu o vice Michel Temer, que seria alvo de três denúncias de corrupção e preso ao final do seu mandato.
Por enquanto, ninguém se arrisca a especular sobre os possíveis desdobramentos do mais grave episódio de espionagem da história eletrônica do país, mas que haverá, haverá. Em agosto, a Câmara votará em segundo turno a reforma da Previdência; o nome do garoto Eduardo, aspirante a embaixador do Brasil em Washington, será votado na Comissão de Relações Exteriores do Senado.
E o site The Intercept promete revelar algumas das mais comprometedoras informações armazenas nos seus arquivos. Emoção não faltará.
O risco de o país acostumar-se ao capitão
Silêncio cúmplice
Sob o impacto da publicação pelos jornais de segredos de Estado sobre a guerra do Vietnã, o governo americano da época ameaçou com tudo – recursos à justiça para censurar a imprensa, pressão de ordem econômica sobre as empresas de comunicação e seus maiores anunciantes, cassação de credenciais de repórteres que cobriam a Casa Branca, e sabe-se mais lá o quê.
Uma coisa, porém, o governo não fez: ameaçar prender os jornalistas responsáveis pela publicação incômoda. Foi assim também em Porto Rico, onde o governo enfrentou recentemente uma onda de acusações a partir de documentos hackeados. Ali, o povo foi às ruas indignado e só voltou para casa depois que o governo caiu. Os jornalistas foram deixados em paz.
Não espanta a falta de povo nas ruas brasileiras em consequência das conversas que vem sendo reveladas a conta gotas entre os procuradores da Lava Jato e de alguns desses com o então juiz Sérgio Moro. A própria imprensa está dividida a respeito. Moro é o ministro mais popular do governo. E tem contado até aqui com o apoio irrestrito do presidente da República.
Espanta a tímida reação dos meios de comunicação, das entidades de classe e dos partidos das mais variadas cores ao anúncio feito pelo capitão Bolsonaro de que o jornalista Glenn Greenwald, autor das reportagens publicadas pelo site The Intercept Brasil e seus parceiros, possa “tirar uma cana”. Esse seria o desejo do capitão, mas não é ele que detém o poder de prender ninguém.
É conhecida a ojeriza de Bolsonaro à democracia e aos direitos assegurados por sua simples existência – entre eles, o da manifestação de pensamento a salvo de restrições que não sejam as estipuladas em lei. Nem todas as afirmações estridentes e levianas do capitão devem ser levadas a sério como ele quer. Mas algumas certamente não devem ser engolidas em silêncio.
Uma vez que aspira a um novo mandato com apenas sete meses de governo, o capitão parece sentir-se cada vez mais à vontade para resgatar tudo o que dizia antes de se eleger – e por isso tem tudo para tornar-se mais perigoso do que já é.