É tudo combinado!
Quantas vezes você já não viu, escutou ou leu que o presidente Jair Bolsonaro desautorizara a fala ou o gesto do filho tal, do filho tal e do filho tal? O menos desautorizado deles é Flávio, eleito senador, parceiro de Queiroz em rachadinhas mil. É o que fala pouco.
O mais desautorizado é Carlos, o vereador, responsável pelo perfil do pai nas redes sociais e dono das senhas dele. No ritmo que vai, qualquer hora dessas Carlos será ultrapassado por Eduardo, o deputado federal, como o mais desautorizado dos filhos.
Qualquer filho se sentiria mal com tantas repreensões – os garotos Bolsonaro, não. Porque eles jogam de comum acordo com o pai, dizem o que ele quer que digam, falam o que o pai não pode ou não deve falar, aguentam o tranco, e assim o baile vai em frente.
Se levam um pito, entendem que podem ter avançado algum sinal e logo recuam. Mas até nos pitos o pai os defende e indiretamente acaba lhes dando razão. A quadrilha (no sentido de que são três filhos e um pai) toca de ouvido e persegue os mesmos objetivos.
A saber: mais poder; pau forte nos adversários e nos aspirantes a adversários; enfraquecer a democracia, herança da esquerda e de uma direita que sentia vergonha de se dizer direita; e vencer as eleições de 2022 para continuar mandando.
Há método na loucura, não duvide, embora em muitas ocasiões haja só loucura.
Ninguém liga para o general
A hora da sopa
O general Augusto Heleno foi posto por seus colegas de farda e de pijama para tomar conta do ex-capitão Jair Bolsonaro depois que ele se elegeu presidente da República. Pela influência que tinha sobre Bolsonaro, e dado aos conhecimentos adquiridos ao longo da vida, Heleno seria capaz de tutelá-lo sem despertar sua ira.
Ao cabo dos primeiros meses de governo ficou demonstrado que Heleno não daria conta da tarefa. Nem ele nem ninguém. Bolsonaro é o tutor do seu próprio governo e dos que o servem. Dá bola para poucos auxiliares, e só para aqueles que obedecem às suas ordens sem discutir e com genuíno entusiasmo.
À falta do que fazer, mais ainda depois de ter perdido para Bolsonaro a única coisa que lhe conferia poder como ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República – a Agência Brasileira de Informações -, que fez Heleno para seguir empregado? Aliou-se incondicionalmente ao ex-capitão.
Se Bolsonaro vocifera, ele vocifera tanto ou mais. Se Bolsonaro fala alguma besteira, ele a leva em conta. O que faça Bolsonaro, Heleno está ao lado dele para dizer amém, sim senhor, é isso mesmo, taokey. Comporta-se como a voz do dono. Em momento algum como o dono da voz. Porque não é, e não tenta ser.
Heleno lembra o assistente de um técnico de futebol de escola da cidade inglesa de Bournemouth, distante 170 quilômetros de Londres, e famoso no início dos anos 2000. O assistente costumava repetir duas vezes parte da última frase de qualquer orientação que o técnico dava aos jogadores. Se o técnico dissesse:
– Vocês têm que jogar abertos pelas pontas.
O assistente repetia:
– Pelas pontas, pelas pontas…
Se o técnico reclamasse:
– Assim não dá. Só quem se desloca recebe.
O assistente repetia:
– Só quem se desloca, só quem se desloca…
Empenhado em agradar Bolsonaro, Heleno, ontem, discutiu a sério a ideia do deputado Eduardo Bolsonaro de reeditar um novo Ato Institucional nº 5. Foi com o ato que a ditadura militar de 64 tirou a máscara. Para seu desgosto, o general ouviu em troca a sugestão do deputado Alexandre Frota (PSDB-SP):
– Está na hora do senhor ir descansar e tomar sopa.
Quando o excesso de esperteza engole o esperto
Quem matou e quem mandou matar Marielle? Onde está o porteiro?
O presidente Jair Bolsonaro poderia ter abortado a reportagem do Jornal Nacional sobre seu suposto envolvimento no caso da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) – mas não quis.
Avisado no dia 9 de outubro pelo governador Wilson Witzel de que seu nome fora citado pelo porteiro do condomínio onde morava, Bolsonaro tratou de se informar exaustivamente à respeito.
Teve tempo suficiente para isso. A reportagem do Jornal Nacional foi ao ar 21 dias depois. Quando foi, Bolsonaro sabia que o porteiro seria acusado de ter mentido pelo Ministério Público do Rio.
Não só sabia: conversara sobre isso com os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. O que ele poderia ter feito para abortar a reportagem?
Simples: bastava que seu advogado informasse à TV Globo que o porteiro não telefonara para sua casa, mas para a casa de Ronny Lessa, um dos assassinos de Marielle.
No mínimo, como mais de um assessor de Bolsonaro sugeriu que ele fizesse, o Jornal Nacional procuraria checar se a informação do advogado procedia. Se procedesse, a história seria outra.
Ou a reportagem não iria ao ar ou iria contando o que o porteiro contara à polícia, mas acrescentando que ele se engara ou mentira. Bolsonaro preferiu seguir outro caminho.
Não interveio para dar um novo rumo à reportagem. Apostou que só teria a ganhar desmentindo o Jornal Nacional em seguida e dizendo sobre a Globo o que disse para satisfação dos seus devotos.
Ocorre que a versão da história avalizada pelo Ministério Público do Rio está cheia de buracos. O pior deles o fato de que não se fez perícia no computador da portaria do condomínio.
No livro de visitas ao condomínio consta uma anotação feita à mão pelo porteiro sobre o número da casa que o parceiro de Lessa no crime queria visitar – a de Bolsonaro.
No computador da portaria consta que a casa que o parceiro de Lessa pediu para visitar foi outra – a do próprio Lessa. Foi Carlos Bolsonaro, ao manusear o computador, que diz ter descoberto isso.
Uma planilha de computador é perfeitamente manipulável. Você tira e põe dentro dela o que quiser. Mas todas as mudanças ficam registradas. É fácil identificá-las.
A perícia do Ministério Público foi pedida às 13 horas da última quarta-feira e ficou pronta em torno das 15 horas. Limitou-se a comparar gravações da voz de Lessa. Foi uma porcaria de trabalho.
A promotora que anunciou que o porteiro mentira é bolsonarista de raiz com orgulho. Há fotos dela nas redes sociais vestindo uma camiseta de campanha de Bolsonaro.
Há muito ainda a ser esclarecido. Certas perguntas permanecem de pé: Quem matou Marielle e quem mandou matar? O porteiro mentiu, enganou-se ou disse a verdade? Onde está o porteiro?