Mas o show tem que continuar
Evite convidar para a mesma mesa o presidente Jair Bolsonaro e seu vice, o general Hamilton Mourão. Eles ainda convivem por obrigação. São capazes de aparecerem juntos e sorridentes em fotos para causar boa impressão. Mas tudo não passa de fingimento. Mourão não fala mal de Bolsonaro nem em público nem em particular. Bolsonaro desanca Mourão sempre que pode.
Só nesta semana foram duas vezes. Na última segunda-feira, em declaração à CNN, rebaixou Mourão ao afirmar que não conversa com ele sobre Estados Unidos nem sobre qualquer outro assunto. Mourão havia dito que “na hora certa” o presidente falaria sobre o resultado das recentes eleições americanas. Bolsonaro não perdeu a oportunidade de deixar seu vice em maus lençóis.
“O que ele (Hamilton Mourão) falou sobre os Estados Unidos é opinião dele. Eu nunca conversei com o Mourão sobre assuntos dos Estados Unidos, como não tenho falado sobre qualquer outro assunto com ele”, disse Bolsonaro, que ainda não se manifestou sobre a vitória de Joe Biden e teima em aguardar o fim das ações judiciais movidas pelo presidente Donald Trump, seu aliado.
Desta vez, Bolsonaro chamou de “delírio” a existência de um plano para criar mecanismos de expropriação de propriedades, no campo e nas cidades, com registros de queimadas e desmatamentos ilegais. A medida consta de documento do Conselho Nacional da Amazônia Legal, presidido por Mourão ‘Se alguém levantar isso, eu demito. A não ser que seja indemissível’, bateu Bolsonaro
E acrescentou: “Para mim a propriedade privada é sagrada. O Brasil não é um país socialista/comunista”. Tampouco Mourão é um general socialista/comunista. Indemissível, é. E de vez em quando é frouxo. “Eu me penitencio por não ter colocado grau de sigilo nesse documento”, desculpou-se o vice. “Isso é um estudo. Se eu fosse o presidente, também estaria extremamente irritado”.
A Constituição prevê expropriação de imóveis rurais e urbanos em apenas dois casos: de cultivo ilegal de drogas e exploração de trabalho escravo. A proposta em estudo no Conselho da Amazônia inclui os crimes ambientais, uma forma de punir quem desmata a floresta ilegalmente. Bolsonaro está nem aí para quem faça isso. Por isso entrou na mira do futuro presidente americano.
Nos anos 80, Bolsonaro foi afastado do Exército por conduta antiética. Para complementar seu salário, e às escondidas dos seus superiores, foi garimpeiro. Planejou atentados terroristas em quartéis. Negociou a patente de capitão em troca de deixar a farda sem fazer maior escarcéu. Por muito tempo, nem ele nem seus filhos puderam frequentar colégios ou clubes militares.
A impressão que dá desde que assumiu a presidência da República é que sente especial prazer em humilhar militares que lhe prestam vassalagem incondicional. Outro dia, humilhou Eduardo Pazzuelo, ministro da Saúde, o único general da ativa em cargo de governo. Combinara com ele que a vacina Coronavac seria comprada. Desautorizou-o em seguida. Pazuello sequer reclamou.
O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo da Presidência, demitido sob pressão dos filhos de Bolsonaro, quebrou mais uma vez o seu silêncio e escreveu no Twitter:
“CANSADO DE SHOW. O Brasil não é um país de maricas. É tolerante demais com a desigualdade social, corrupção, privilégios. Votou contra extremismos e corrupção. Votou por equilíbrio e união. Precisa de seriedade e não de show, espetáculo, embuste, fanfarronice e desrespeito.”
Por mais que o general reclame, o show do palhaço vai continuar.