Aconteceu o que parecia impossível: São Paulo parou. Era uma cidade deserta por volta das 18 horas da segunda-feira 15 de maio de 2006.
Metade da população da Grande São Paulo, algo como 5,5 milhões de pessoas, deixara de trabalhar na ausência de ônibus.
Três em cada 10 estudantes haviam faltado às aulas. O comércio fechara antes do fim da tarde. São Paulo estava sob o ataque do crime organizado.
Foram nove dias de terror que deixaram um rastro de 493 mortos, segundo o Instituto Médico Legal, ou 564, segundo cálculos do sociólogo Ignácio Cano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, feitos com base em boletins de ocorrência.
Em um único dia, 105 civis morreram a tiros. Não há estimativa sobre o número de feridos. Nunca se soube de quem partiu a ordem para atacar.
Mas o suspeito número um sempre foi Marco Willians Herbas Camacho, Marcola, o chefão do Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criminosa fundada sob o lema de “Liberdade, Justiça e Paz”.
Dizia lutar “contra as injustiças e a opressão dentro das prisões”. Antes dos ataques, o PCC existia em 40% das favelas da capital. No final de 2006, em mais de 70% delas.
Marcola e os principais líderes do PCC estavam presos quando desafiaram o poder do Estado naquele ano. Continuam presos.
Um documento interno da polícia de São Paulo, que circula desde a semana passada, informa que o PCC distribuiu armas de fogo para desencadear possíveis novos ataques contra a cidade a partir de amanhã. O governo nem confirma nem desmente a ameaça.
A origem dela pode estar na decisão tomada pelo governo, à vista das mais de 110 mortes recentes em Manaus, Boa Vista e Natal, de transferir Marcola e outros detentos para penitenciárias onde o regime disciplinar é mais duro.
Decisão semelhante, que implicava na mudança de endereço de 730 presos do PCC, incluindo Marcola, foi o que deflagrou em 2006 a onda de medo que varreu a cidade.
Na noite de 12 de maio, antevéspera do Dia das Mães, o PCC matou agentes policiais na periferia da capital paulista, depredou agências bancárias e assumiu o controle de três presídios no interior.
No dia seguinte promoveu 63 atentados em 23 cidades do Estado, matando 25 agentes públicos. No domingo, mais 156 atentados, fora 80 presídios rebelados e sob o domínio do PCC.
Os ataques só cessaram quando o governo recuou da decisão de transferir presos. Mesmo assim, em agosto, o PCC sequestrou um repórter e um cinegrafista da TV Globo e só os devolveu com vida depois que a emissora divulgou manifesto onde a facção deplorava as “condições desumanas dos presídios”.
O episódio serviu para que se pusesse o dedo na ferida pela primeira vez.
Sob o título “Basta de violência”, documento assinado por entidades que reúnem veículos de comunicação alertou:
“O que está ameaçado neste momento não é apenas o cotidiano civilizado a que todos os cidadãos têm direito. É a própria sobrevivência da sociedade democrática, porque sua manutenção depende da autoridade, credibilidade e prestígio das suas instituições”.
Era disso que se tratava há 11 anos. É disso, com mais razão, que se trata hoje.
A segurança nacional está em risco, admitiu na última quinta-feira o presidente Michel Temer. O Estado de Direito, também.
Com a Lava-Jato, e na ausência momentânea de quem o compre, o degradado poder político será uma presa fácil para as 27 facções criminosas disseminadas pelo país.