Generosidade em fim de linha
E aí? Engane-se quem acredita que o governo do presidente Jair Bolsonaro mudou de posição quanto ao enfrentamento da pandemia. Só por que Marcelo Queiroga, médico, sucedeu ao desastrado general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde e recomenda que as pessoas usem máscara, lavem as mãos com álcool gel e se mantenham distantes umas das outras?
É o mesmo Queiroga que se recusa a admitir o lockdown porque Bolsonaro é contra. É o mesmo que evita condenar o tratamento precoce que Bolsonaro continua recomendando, um logro que já custou muitas vidas. É o mesmo que prometeu em breve vacinar um milhão de brasileiros por dia, meta distante de ser alcançada porque a demanda é maior do que a oferta.
Mudança de posição só por que o embaixador que sucedeu o inepto Ernesto Araújo no Itamaraty revelou que seus compromissos são com a vacina, a economia e o meio ambiente? Moleza suceder Araújo e parecer sensato. É como substituir Felipão no comando da Seleção Brasileira depois dos 7 x 1. Se ganhar o jogo seguinte com gol de mão será exaltado como herói.
Em um mês, o Brasil dobrou o número de mortes pela Covid em um único dia. No dia 6 de março, 1.840 vidas foram perdidas em 24 horas. Quatro dias depois, 2.000. Após duas semanas, 3.000. Ontem, quase 4.200. O total de mortes até agora é de 337.364. No melhor dos cenários, até julho o Brasil pode atingir meio milhão de óbitos, segundo o neurocientista Miguel Nicolelis.
Enquanto isso, o presidente da República espalha notícias falsas, faz comparações incabíveis e idiotas e destila ódio contra seus críticos. Em frente ao Palácio da Alvorada, em conversa com um grupo de devotos, Bolsonaro comentou: “Tem uma pesquisa aí que diz que quem tem uma vida saudável é oito vezes menos propenso a ter problemas com a Covid”. Que pesquisa? Não disse.
E prosseguiu: “Mas quando você prende o cara em casa, o que ele faz em casa? Duvido que ele não tenha aumentado um pouquinho de peso. Até eu cresci um pouquinho a barriga”. Posou de vítima: “Me chamavam de torturador, racista, homofóbico. Agora é o quê? Aquele que mata muita gente? Genocida! Imagina se o Haddad estivesse no meu lugar?!” Os devotos concordaram.
Bolsonaro afirmou que tem como resolver o problema do vírus em poucos minutos: “É só pagar o que os governos pagavam para Globo, Folha, Estado de S.Paulo. Esse dinheiro não é para imprensa, é para outras coisas”. E repetiu: “Cancelei todas as assinaturas de revistas e jornais. Já entramos no segundo ano sem nada. A gente não pode começar o dia envenenado”.
Metade dos brasileiros começa o dia sem saber se haverá comida suficiente em sua mesa. É a primeira vez que isso acontece desde 2004. São 116,8 milhões de pessoas nessa situação, segundo pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. No ano passado, a pandemia deixou 19 milhões com fome, quase o dobro do que havia em 2018.
Na cidade do Rio, a ONG Ação da Cidadania distribuiu 80 mil cestas básicas por dia em 2020. Este ano, apenas 8 mil. Secaram as fontes de doação de alimentos. Na cidade de São Paulo, a G10 Favelas distribuía 10 mil marmitas por dia. O número caiu para 700. A decantada generosidade dos brasileiros que podem muito com os brasileiros que nada podem era pouca e acabou.
Governante autoritário é tudo igual, só variam suas armas
A primeira vítima é sempre a verdade
Governante autoritário é tudo igual, só variam os métodos de cada um. Josef Stalin, que governou a União Soviética de meados da década de 1920 até sua morte em 1953, não se contentou apenas em promover expurgos políticos no Partido Comunista.
Mandou prender, exilar e fuzilar milhares de seus adversários. E tentou reescrever a história de sua época eliminando pessoas de fotografias, falsificando alterações de imagens e destruindo filmes. Nesse aspecto foi um pioneiro.
Comparadas com as modernas técnicas digitais, as dos anos 30 e 40 do século passado eram primitivas, toscas, deixavam marcas e exigiam muita perícia dos seus executores. Os russos eram bons nisso, e aí se não fossem. Stalin não perdoava.
Até as 16h40m de ontem, e desde pelo menos o meio-dia, esteve disponível no Flickr do Palácio do Planalto uma foto da cerimônia de posse da nova ministra da Secretaria de Governo, a deputada Flávia Arruda (PL-DF). Depois disso, a foto sumiu.
Por quê? Porque nela apareciam, além da ministra, o presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão, o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), o general Luiz Eduardo Tamos, chefe da Casa Civil, e… Valdemar Costa Neto, presidente do PL. E daí?
Daí que Costa Neto, recebido, esta semana, por Bolsonaro em audiência especial, foi condenado e tirou cadeia por envolvimento com o mensalão do PT – o escândalo da compra de votos de deputados para que aprovassem projetos do governo Lula.
Mesmo preso, Costa Neto negociou cargos no governo Dilma. Seu partido faz parte do Centrão que arrombou a porta do governo Bolsonaro e ocupa dezenas de cargos. Bolsonaro virou refém, mas quer esconder a verdade. Stalin foi mais bem sucedido.