Ex-presidente defende a adoção do parlamentarismo
Aos 89 anos de idade, 52 dos quais vividos dentro do Congresso como deputado federal e senador, o ex-presidente José Sarney disse em entrevista a Ana Dubeux e Denise Rothenberg, repórteres do “Correio Braziliense”, que o país atravessa um “momento imprevisível”.
Foi a primeira vez que Sarney concordou em falar longamente sobre o governo do presidente Jair Bolsonaro, as causas da crise política que se arrasta há quase cinco meses e os riscos que o país corre. A seguir, os principais trechos da entrevista publicada hoje.
+ “Bolsonaro está no meio de um furacão. Pela primeira vez estamos num momento que é imprevisível. Fratura no Judiciário, no Legislativo e no Executivo. Todas as estruturas estão truncadas”.
+ “A realidade é que o presidente não tem maioria consolidada no Congresso, nem [ali] temos partidos, nem lideranças políticas, e vivemos uma crise muito grande”.
+ “A crise internacional de recessão catalisou a crise brasileira. Temos que lidar com o choque das civilizações, com a pós-verdade, com uma sociedade líquida”.
+ “O Brasil vive uma crise sem partidos, porque quando temos 60 partidos [equivale] a não ter nenhum. Os políticos estão demonizados. E a busca do povo é partir para uma democracia direta, sem representantes. É um risco”.
+ Ao colocar todas as suas cartas no caos, Bolsonaro “aumenta os problemas que vivemos porque desapareceram as utopias e não podemos matar a esperança”.
+ “O que se vê é que todo dia se dá uma solução, uma visão escatológica do fim do mundo em face da reforma da Previdência sem se oferecer outras perspectivas de esperanças”.
+ “A reforma da Previdência é extremamente necessária, mas também a administrativa, a tributária, a fiscal, a política. Mas (tudo está focado) em um único objetivo, sem esquecer que falta maioria ao presidente no Congresso”.
+ Num país com 13 milhões de desempregados, mais 13 milhões que nunca tiveram emprego e mais 20 milhões que vivem na economia informal, “sem crescimento econômico nenhuma reforma que se faça subsistirá”.
+ “Acho que Bolsonaro está sendo vítima de uma leitura errada que fez. [Imaginou que quando ganhasse] iria receber dos americanos e da economia internacional um apoio grande, que imediatamente atrairia investimento para o Brasil. E na verdade Trump não deu nada. Foi ingenuidade dele”.
Sarney citou uma frase do ex-presidente americano Bill Clinton (“Os partidos no mundo atual não são importantes para eleição, mas sem eles é impossível governar”) para em seguida ensinar:
“Ou seja: os partidos precisam estar estruturados. Governa-se por meio dos partidos, senão é uma situação anárquica e niilista a que viveremos”. [Hoje] no Brasil não temos nada. Até a oposição não existe”.
+ “A Constituição de 1988 criou todas as condições para levarmos o Brasil à situação que estamos. Ela é híbrida, parlamentarista e presidencialista. Deu poderes executivos ao Parlamento e poderes parlamentares ao Executivo”.
+ Embora tenha assegurado a estabilidade política até aqui, Sarney lembrou que a Constituição “também nos deu três impeachments, dois que chegaram ao fim (os de Collor e de Dilma) e um que não chegou, mas que foi pedido (o de Temer)”.
+ “Então acho que a solução, a primeira e a mais simples para evitar que o presidente viva essa pressão permanente, seria adotarmos o parlamentarismo”.