Alexandre Moraes não se intimidou com os memes e as ameaças
Na manhã de 28 de maio, na porta do Alvorada, um enfurecido Jair Bolsonaro disse a repórteres e a uma pequena plateia de simpatizantes que “ordens absurdas não se cumprem”. O tom da voz foi aumentando. “Não teremos outro dia igual ontem. Chega! Chegamos num limite”, advertiu. Teve até palavrão. “Acabou, p…! […] Acabou! Não dá para admitir mais a atitude de certas pessoas individuais.”
A irritação era em relação a uma operação da Polícia Federal deflagrada na véspera: Buscas e apreensões em endereços de 17 bolsonaristas suspeitos de financiar e disseminar informações falsas pela internet. Não houve prisões naquela ocasião. Entre os alvos estavam os empresários Luciano Hang (Havan) e Edgard Corona (Smart Fit e Bio Ritmo); os blogueiros Allan dos Santos e Bernardo Kuster, donos de perfis muito populares na extrema-direita; e o ex-deputado federal Roberto Jefferson, o chefão do PTB que foi condenado no mensalão e, mais recentemente, ressignificado no bolsonarismo.
O “certas pessoas individuais” da bronca presidencial era o ministro Alexandre de Moraes, do STF, não citado nominalmente. Relator do inquérito que apura produção de “fake news” e ameaças à corte, foi ele que autorizou as buscas do dia 27.
Numa conversa sobre a mesma operação, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi ainda mais explícito que o pai. Falando sobre a hipótese de uma ruptura institucional, disse que não era mais uma questão de saber “se” a cisão iria ocorrer, mas “quando”.
A claque bolsonarista captou os recados e, nos dias seguintes, pareceu bastante à vontade para manter o padrão usual de comportamento nas redes e nas ruas. Muitos debocharam do Supremo. Uma deputada aliada pediu o impeachment de Moraes. Um dos blogueiros alvo chamou o ministro do STF de “moleque” e “criminoso” em novo vídeo. Reunidos semanas depois nos arredores da corte, um grupo atacou a instituição com fogos de artifício.
Algo, porém, mostrou-se muito errado na apoplética advertência de Bolsonaro. Para o bolsonarismo, houve, sim, outro dia como o 27 de maio. E não foi só um. Foram três com as mesmas características.
Em 15 de junho, em nova operação, a PF prendeu a bolsonarista Sara Giromini, conhecida como Sara Winter, líder de um grupo armado de extrema-direita que fazia um estranho acampamento em Brasília. No dia 16, Moraes atendeu pedido da Procuradoria-Geral da República e determinou a quebra do sigilo bancário de dez deputados bolsonaristas e um senador. São personagens de um segundo inquérito no STF, o que apura organização de atos antidemocráticos. Nesse ato foram mais 21 mandados de busca, alguns contra figuras que já haviam sido visitadas pela PF dias antes. No dia 26 foi a vez da prisão do blogueiro Oswaldo Eustáquio, um dos mais ativos e ousados bolsonaristas da rede.
O fato de ter existido uma segunda rodada de buscas nesse campo, e desta vez com prisões, mostra que: 1) O ministro Alexandre de Moraes não se intimidou com memes, xingamentos, insinuações e ameaças após a primeira operação; e 2) Bolsonaro estava blefando quando afirmou que não haveria outro dia como aquele – ou, mais revelador ainda, não teria obtido respaldo de outras forças para tentar incapacitar o Supremo Tribunal Federal.
Os dias seguintes à segunda leva de buscas foi bem diferente na orbe bolsonarista. À coluna, o pesquisador David Nemer, antropólogo da Universidade da Virginia (EUA) que monitoria 1.874 grupos do WhatsApp de apoio ao presidente, disse ter apurado uma queda de até 30% no fluxo diário de mensagens. “O tom também baixou muito”, notou Pablo Ortellado, professor da USP que estuda o tema. Não surgiram mais notícias de zombaria contra o STF. E o blogueiro que havia chamado Moraes de “moleque” e “criminoso” foi flagrado apagando vídeos antigos de seu canal no YouTube.
“Vários correram para apagar vídeos e tuítes”, afirma a antropóloga Letícia Cesarino, pesquisadora de novas mídias da UFSC. “Foi algo inédito nesse ambiente. Uma queima de arquivos. Estão vendo que não estão mais imunes.”
STF e PF não são as únicas frentes de pressão contra a cibermilitância do presidente. Há duas semanas o Facebook derrubou uma rede de contas e perfis inautênticos que se dedicava a desinformar e a fazer ataques coordenados. As mais de 80 contas e páginas retiradas do Face e do Instagram nem eram as maiores do campo bolsonarista, mas a ação teve impacto político relevante por mostrar que eram ligadas a integrantes do gabinete da Presidência, aos filhos de Bolsonaro e ao PSL.
Outro pedregulho está no Twitter. O recém-criado perfil “Sleeping Giants” Brasil dedica-se a desmonetizar canais, sites e blogs identificados como os mais descarados difusores de notícias falsas.
Em apenas dois meses mobilizou mais de 450 empresas a remover anúncios de alguns dos principais portais de apoio do presidente (calcula-se no meio que os chamados “ads” automatizados chegam a render mais de R$ 20 mil por mês a propagadores de notícias falsas).
Há ainda a CPI das “fake news” no Congresso – pronta para ganhar força conforme diminuem as restrições da pandemia – e um projeto de lei sobre o tema que, embora criticado com argumentos defensáveis, criaria restrições a operários da desinformação.
Não parece exagero dizer que a militância radicalizada das redes seja um dos principais alicerces de sustentação política de Bolsonaro. Os outros são os militares, os evangélicos e, de um tempo para cá, os recém-contratados partidos e congressistas do Centrão.
Na internet, nenhum outro político do Brasil tem ou teve aparato similar a seu dispor. Na comparação com a concorrência, os bolsonaristas da rede sempre ganharam em escala, linguagem, velocidade, motivação e virulência. Como jamais havia ocorrido desde a campanha de 2018, essa militância virtual sofreu abalos. Sob inédita pressão, deu alguns passos para trás.
Irão voltar? É uma questão de “se” ou de “quando”?