Carta Magna já sofreu 108 alterações; não seria mais lógico elaborar outra?
A atual Constituição Federal tem 103 vezes a palavra “direitos” e 9 vezes a palavra “deveres”. Trata-se, claro, de uma conta que não fecha.
Trinta e dois anos após a promulgação da Carta, os privilégios dados a determinadas categorias no texto constitucional levam o país a suportar uma carga tributária de 35%, ainda insuficiente para pagar os nossos compromissos. Conforme havia previsto o então presidente José Sarney, o Brasil se tornou ingovernável, pois não há como bancar todos os direitos incluídos no texto de 1988.
Por isso coloquei em discussão, em seminário da Associação Brasileira de Direito Constitucional, a minha proposta de plebiscito para os brasileiros decidirem se são favoráveis, ou não, a uma Assembleia exclusiva para elaborar uma nova Constituição. Apesar das esperadas críticas de segmentos corporativistas, recebi muitos apoios, que me incentivaram a levar adiante o debate.
A defesa de ampla reforma constitucional é antiga posição do meu mandato, e não uma diretriz do governo Jair Bolsonaro: há 15 anos, fui um dos signatários da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 447, que tinha essa objetivo.
O desafio de liderar a bancada do governo só reforça a minha convicção pessoal. Para garantir a governabilidade a curtíssimo prazo, precisamos neste ano aprovar quatro emendas constitucionais, que vão se somar às atuais 108: as reformas administrativae tributária, o pacto federativo e a PEC Emergencial de controle de despesas obrigatórias —todas voltadas ao reequilíbrio das finanças públicas.
A necessidade de viabilizar tantas mudanças complexas é a prova de que os limites da atual Carta estão esgotados. Não seria mais lógico elaborar uma nova Constituição do que promover constantes emendas? Apresentarei, em breve, projeto de decreto legislativo prevendo um plebiscito para termos essa resposta.
Caso seja aprovada, a nova Constituinte será exclusiva. Assim, não correremos o risco de que os seus integrantes venham, em busca de futuros votos, criar novos privilégios demagógicos. Já temos um excesso de “vales”, “licenças” e outros supostos benefícios que, na prática, favorecem setores isolados e oneram toda a sociedade.
Os privilegiados, aqueles que recebem os maiores salários, vantagens e inúmeros penduricalhos, sabem que uma nova Constituição não cometerá os mesmos erros —e, por isso, resistem à minha proposta.
O nosso país atualmente gasta 14% do Produto Interno Bruto para sustentar o funcionalismo, enquanto o Japão, por exemplo, usa 5% do seu PIB. O Brasil não consegue pagar essa conta. As corporações, porém, querem manter os seus privilégios caros e desnecessários, ao mesmo tempo em que buscamos, com graves limitações, recursos para reconstruir a infraestrutura nacional e viabilizar um auxílio emergencial aos cidadãos mais prejudicados pela pandemia. Precisamos cortar despesas para investir na área social.
Ao defender a reforma da Constituição, penso também em equilibrar os Poderes, pois o poder Fiscalizador ficou muito maior do que os demais, com uma situação inaceitável de inimputabilidade dos seus agentes.
Ora, a Carta Magna diz, em seu artigo 5º, que somos todos iguais perante a lei, mas ainda estamos longe de alcançar tal isonomia. Juízes, promotores, fiscais da Receita e determinados servidores não precisam responder por eventuais erros. Alguns podem promover acusações falsas, caluniar e provocar prejuízos morais e econômicos sem jamais serem responsabilizados. Uma vez provada a inocência da pessoa atingida por esse ativismo, o único recurso é o de processar o Estado, e não os agentes públicos que deram origem aos danos. Não seria correto que todos respondessem efetivamente pelos seus atos?
O fato é que chegamos ao limite da nossa capacidade contributiva e não podemos fazer de conta que não há esse problema. Se erramos a fórmula, precisamos elaborar outra. Nada mais democrático do que permitir, ao povo, que decida se o caminho é uma nova Constituição.
* Ricardo Barros é deputado federal (PP-PR), é líder do governo na Câmara
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