Ação do governo para ajudar micro e pequenas empresas é necessária antes que seja tarde demais
A trajetória de contaminação da população brasileira pelo novo coronavírus parece ser aquela traçada pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, de que o pico da doença ocorrerá somente em julho, com um platô em agosto e uma queda a partir de setembro. Se esse é o cenário mais provável, o governo precisa adotar programas mais agressivos, que deem sustentação financeira às micro e pequenas empresas, antes que seja tarde demais.
O noticiário mostra que o crédito não está chegando a essas empresas, que são aquelas que mais empregam trabalhadores na economia. Milhares de pequenos e microempresários lutam para sobreviver e não encontram quem lhes dê suporte financeiro para enfrentar esta fase de hibernação da economia, que vai passar. Eles se viram diante de uma situação em que, de uma hora para outra, o dinheiro deixou de entrar no caixa de suas empresas, pois as vendas acabaram. E estão à beira da falência, se é que muitos já não sucumbiram.
Não se pode exigir que os bancos privados, que devem satisfação aos seus acionistas e precisam apresentar resultados, assumam esse papel. Ao analisar o pedido de empréstimo de um pequeno empresário em dificuldade, o gerente avalia a situação da empresa sem fluxo de caixa, as perspectivas da economia para os próximos meses e conclui que o crédito pedido não será pago.
Ele teme, e ninguém pode culpá-lo por pensar assim, que se a inadimplência crescer, a sua instituição poderá ficar comprometida. O que menos se deve querer na atual pandemia é uma crise bancária.
Resumindo, o crédito não está chegando aos micro e pequenos empresários por uma razão simples: os bancos não podem arcar com o risco da operação, mesmo que um ou outro banqueiro eventualmente queira fazê-lo.
Na situação que estamos vivendo, de quase completa paralisação da atividade econômica, com economistas mais pessimistas já projetando queda do Produto Interno Bruto (PIB) acima de 10% neste ano, só há uma maneira de ajudar as pequenas e micro empresas: o Tesouro (ou seja, nós contribuintes) bancar o risco da operação de crédito. Vários economistas já elaboraram propostas de como isso pode ser feito.
No início da atual crise, o governo se preocupou em garantir a liquidez do sistema financeiro e fazer fluir o canal de crédito. A ideia era que os bancos tivessem recursos em volume suficiente para emprestar e para refinanciar dívidas das pessoas e empresas mais afetadas. Para isso, o BC reduziu o compulsório dos bancos e adotou uma série de medidas para facilitar o crédito.
Dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostram que as concessões de crédito, no período de 16 de março a 8 de maio de 2020, somaram R$ 540,3 bilhões, incluindo contratações, renovações e suspensão de parcelas. Segundo a Febraban, o setor já renegociou 8,5 milhões de contratos com operações em dia, que têm um saldo devedor total de R$ 468,2 bilhões. A soma das parcelas suspensas dessas operações repactuadas totaliza R$ 47,5 bilhões.
Os dados do Banco Central corroboram esse cenário, pois indicam que da 15ª à 18ª semana deste ano, ou seja, de 6 de abril a 3 de maio, as concessões de crédito livre aumentaram 8,7% para as pessoas físicas e 27,4% para as pessoas jurídicas, na comparação com igual período do ano passado. No acumulado deste ano, as operações livres aumentaram 12,7% para as pessoas físicas e 32,5% para as pessoas jurídicas. O problema, no entanto, está no fato de que o crédito não chegou aos e micro e pequenos.
Ao mesmo tempo em que o Banco Central adotava medidas para fazer o crédito fluir, o governo federal criou três programas para ajudar as empresas durante a crise. Criou uma linha especial de crédito para o pagamento de pessoal. O Tesouro entra com 85% do valor do crédito e o restante é bancado pelas instituições financeiras. A linha de crédito não funcionou. De um total de R$ 40 bilhões disponíveis, só cerca de R$ 1,6 bilhão foi emprestado até agora.
Apenas as médias e grandes empresas tomaram os recursos, de acordo com informações de fontes do governo. No início, muitos interessados foram descartados porque estavam inadimplentes com a Previdência Social. Apenas depois da aprovação da Emenda Constitucional 106 é que essa exigência foi excluída.
A maioria das empresas descartou a linha de crédito, entre outras razões, porque o governo deu mais duas opções. A primeira é a suspensão temporária dos contratos de trabalho. A segunda, a redução da jornada de trabalho em até 70%, com a correspondente diminuição dos salários.
Em uma avaliação pragmática, o empresário concluiu que era preferível suspender os contratos, reduzir salários ou simplesmente demitir os seus funcionários do que pegar um empréstimo para pagar os salários, com o compromisso de não os demitir pelo período de quatro meses da data da contratação da operação.
O problema atual está em garantir sustentação financeira às micro e pequenas empresas, até que seja possível reabrir a economia. Os sinais emitidos pelo governo federal, no entanto, estão indo em direção oposta. Na terça-feira passada, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei 13.999, que institui o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).
O programa cria uma linha de crédito em condições vantajosas para a pequena e média empresa, de até 30% de sua receita bruta anual. Os juros serão iguais à Selic, acrescidos de 1,25% sobre o valor concedido, com prazo de amortização de 36 meses. O presidente vetou o artigo que previa carência de oito meses.
A justificativa do veto foi que a medida “contraria o interesse público e gera risco à própria política pública, ante a incapacidade dos bancos públicos executarem o programa com as condições apresentadas pelo projeto”. O governo pode alegar que essa não é uma regra que possa ser permanente, mas ela poderia, perfeitamente, ser utilizada neste momento de pandemia.