Reforma tributária, embora necessária, pode esperar
É difícil acreditar que a reforma tributária será aprovada neste ano, se ainda não se conhece sequer qual é a proposta do governo federal. Ontem, em reunião com secretários estaduais de Fazenda, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que, em duas semanas, “está chegando um pedaço” ao Congresso Nacional.
Outra dificuldade para acreditar na rápida aprovação da reforma tributária é que o ministro da Economia quer criar uma nova CPMF para desonerar a folha de pagamento das empresas, pois, com isso, ele acredita será possível criar condições para o rápido crescimento do emprego no país. O problema é que o presidente Jair Bolsonaro é contra a nova CPMF, qualquer que seja o seu novo nome, e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também são.
Mesmo o “pedaço” da proposta do governo a ser enviado causou polêmica entre os secretários estaduais de Fazenda. Guedes teria dito que vai propor um IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) Dual, com a fusão dos tributos federais com o ICMS, ficando o ISS de fora. Os secretários querem a unificação de todos os tributos federais, estaduais e municipais em um único imposto sobre o consumo.
Guedes disse que o governo vai propor também alterações no PIS e na Cofins. Ontem, momentos antes de ser substituído na Casa Civil, o ministro Onyx Lorenzoni, afirmou que, pessoalmente, defendia tratar agora só a reforma dos impostos federais e “daqui a dois ou três anos fazemos uma reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços [ICMS]”.
A proposta de reforma do PIS/Cofins está pronta, na Casa Civil, desde a gestão do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy. Os governos não conseguem enviá-la ao Congresso, tal a resistência que ela enfrenta, pois eleva a carga tributária do setor de serviço. Os líderes partidários já se manifestaram contrários à votação apenas desta reforma.
Há um outro obstáculo que torna ainda mais difícil a aprovação de uma reforma tributária. A discussão está sendo feita em um momento em que o setor público brasileiro necessita ajustar as suas contas, que estão deficitárias desde 2014, principalmente as da União. A situação financeira de, pelo menos, uma dezena de Estados é calamitosa.
Quatorze Estados estão com nota C, e três, com nota D, segundo o Tesouro Nacional. As notas medem a capacidade dos Estados de pagarem suas dívidas. Aqueles que estão com nota C não podem obter aval do Tesouro para novos empréstimos. E os que têm nota D estão em situação falimentar. Em 2019, a União foi obrigada a honrar dívidas não pagas por Estados e municípios, das quais era avalista, no montante de R$ 8,35 bilhões. Vários Estados conseguiram liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para deixar de pagar seus débitos com a União.
O Brasil já viveu situação semelhante. Em 1995, ao assumir a Presidência da República, Fernando Henrique Cardoso encaminhou uma proposta de reforma tributária (PEC 175/95). A PEC foi relatada pelo falecido deputado piauiense Mussa Demes. Quando o parecer de Mussa estava pronto para ser votado e tinha o apoio do então governador de São Paulo, Mário Covas, mesmo com o seu Estado perdendo R$ 4,5 bilhões em receita, a então equipe econômica de FHC decidiu enviar ao Congresso uma nova proposta. E a reforma terminou não sendo votada.
Durante todo o processo de discussão da reforma, a carga tributária subiu muito. Ela passou de 29,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1995 para 35,6% do PIB em 2002, segundo dados da Secretaria da Receita Federal. Isso mostra que a necessidade de ajustar as contas públicas predominou sobre a reforma.
A substancial melhora no resultado primário do setor público registrada em 2019 decorreu de receitas extraordinárias (não recorrentes), principalmente as obtidas com os leilões de petróleo.
Muito provavelmente, o déficit primário deste ano será pior do que o de 2019. A dívida pública bruta só caiu porque o BNDES continuou antecipando o pagamento dos empréstimos obtidos junto ao Tesouro Nacional, e o Banco Central realizou significativas vendas de reservas internacionais do país. O governo precisa registrar superávit primário a partir de 2023, pois, do contrário, a dívida pública bruta provavelmente voltará a crescer.
Um outro aspecto é ainda mais relevante. A Emenda Constitucional 95, que instituiu limites individualizados de despesas para os vários Poderes da República, é, atualmente, a viga mestra do cenário fiscal brasileiro. É difícil saber o que acontecerá, em termos de expectativas dos mercados, se o governo não conseguir sustentar o teto de gastos.
A preservação do teto por mais algum tempo é, portanto, uma questão central. E, para conseguir a façanha, o governo precisa que o Congresso aprove a proposta de emenda constitucional 186/2019, conhecida como PEC Emergencial. A proposta autoriza o governo a adotar uma série de medidas para controlar o crescimento das despesas obrigatórias. Sem a sua aprovação, o cenário fiscal irá se deteriorar. O Congresso deveria colocar foco na PEC 186, antes de analisar qualquer outra matéria.