Sabemos por experiência que cenários de corrupção sistêmica minam a legitimidade das instituições democráticas, ao ponto de propiciar o alastramento de correntes de opinião autoritárias no conjunto dos cidadãos. A luta contra a corrupção, em favor da prevalência de regras e práticas republicanas, constitui, portanto, parte importante do repertório da vigilância e mobilização permanentes em favor da democracia.
Na luta concreta contra a corrupção hoje no Brasil, contudo, há vertentes que levam água ao moinho do autoritarismo. Manifestações em favor do fechamento ou expurgo do Supremo Tribunal Federal são o caso óbvio, mas não único. Um dos pilares do estado democrático de direito é o respeito aos direitos e garantias individuais, cuja premissa é a independência do Poder Judiciário, ou seja, sua capacidade de fazer valer posições contramajoritárias, em particular quando de ameaças aos direitos de grupos minoritários.
Na divisão de tarefas entre os Poderes, cabe ao Judiciário, portanto, julgar, e a nós, cidadãos, acatar suas decisões, malgrado a divergência que podem deixar em cada um. Trazer ao debate público a questão da culpa ou da inocência de A ou B, do acerto ou equívoco de tal ou qual decisão concreta dos tribunais é um equívoco, do ponto de vista da democracia.
Cabe a nós, contudo, cidadãos, e por extensão a nossos representantes no Congresso Nacional, manter sob escrutínio e reforma permanente as regras de funcionamento da nossa máquina de produzir justiça. Há tensão entre o papel que a tradição brasileira e o Código de Processo Penal atribuem ao juiz e os direitos e garantias consagrados na Carta de 1988? Caso afirmativo, como resolver essa tensão, sempre em benefício do fortalecimento da democracia?
O mesmo vale para os tribunais superiores. Não podemos trazer à arena política a discussão sobre o mérito de suas decisões concretas. Mas devemos discutir e deliberar sempre sobre a adequação de seu formato, composição e funcionamento. Há que debater, do ponto de vista das atribuições constitucionais, se os tribunais devem atuar como colegiado ou somatório das posições de seus membros. E, mais relevante ainda, no caso do Supremo Tribunal Federal, quais as melhores regras para favorecer a coerência temporal de suas decisões e preservar, dessa forma, sua credibilidade como árbitro final perante o conjunto dos cidadãos.