Benito Salomão*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
No momento em que escrevo este artigo, o Ibovespa anda de lado, à espera da definição da equipe econômica, e o dólar beira a R$5,40. O humor do mercado se reverteu subitamente com os movimentos da equipe de transição e a retórica anti-austeridade do presidente eleito. Isso se deu devido à lembrança, ainda muito viva, da herança fiscal dos governos Dilma Rousseff (PT). Lula foi eleito, a partir de uma frente ampla que incorporou muitos não petistas, para salvaguardar a democracia e blindar o retorno da extrema direita em 2026. Do sucesso deste seu terceiro mandato, depende o futuro do país.
Após uma eleição acirrada, o governo tenta, acertadamente, criar no orçamento de 2023 espaço fiscal para acomodar um colchão de amparo social. Ainda não está exatamente clara a magnitude deste colchão. Há dois cenários: no primeiro, se especula despesas extras na casa de R$ 90 bilhões; já no segundo, o pacote pode custar R$ 203 bilhões. A diferença entre ambos os cenários consiste nas despesas que serão incorporadas, ou não, ao pacote. Particularmente, creio que a magnitude do pacote tende a importar pouco se as expectativas sobre a sustentabilidade fiscal de longo prazo estiverem ancoradas.
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Em outras palavras, numa perspectiva de longo prazo, a sustentabilidade fiscal está relacionada com a sinalização que o governo deve dar, a partir de já, de que, apesar dos furos no teto de 2023, estará disposto a cumprir uma regra para a dinâmica da despesa pública nos demais anos da legislatura. Ao sinalizar uma regra, o governo resolve o problema da inconsistência dinâmica, dando aos agentes informações acerca do problema fiscal no decorrer do mandato. Contrariamente, ao não fazê-lo, o governo sinaliza maior discricionariedade de longo prazo, e os agentes precificam isso, trazendo, a valor presente, a probabilidade de uma piora na área fiscal.
Não se trata de mero fiscalismo. Há formas de conciliar responsabilidade social e fiscal. As economias modernas dependem do estado geral das expectativas. Estas, por sua vez, são estados psicológicos subjetivos que respondem tão melhor às políticas econômicas quanto mais credibilidade o governo tiver. Lula foi eleito com mais de 60 milhões de votos. Mudanças de governo são excelentes oportunidades para revisão de expectativas, em geral, para melhor. A janela de otimismo com o novo governo tende a ser tão maior quanto maiores forem seus acertos.
Se o governo eleito sinalizar uma regra fiscal já na transição, se comprometendo com uma dinâmica realista do gasto, particularmente o obrigatório, independentemente das tecnicidades, há espaço para a valorização do câmbio, o arrefecimento da inflação, a queda dos juros e, consequentemente, do custo de rolagem da dívida.
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Isso funcionou em 2016, com o teto de gastos, levando a uma redução do custo implícito da dívida pública, que havia recuado de 13,1% para 9,9% nos 12 meses seguintes. Funcionou, ainda, em 2020, no contexto pandêmico, com a aprovação da PEC do orçamento de guerra que autorizava o governo ampliar os gastos o quanto necessário para fazer face às novas despesas. O contrário também é verdadeiro, os governos Dilma e o segundo biênio de Bolsonaro mostraram o quão desastrosa é para o equilíbrio macroeconômico do país a expansão discricionária de despesas públicas à revelia dos protocolos fiscais.
Infelizmente, os sinais da transição até aqui não foram bons nesse campo. O governo trouxe para a transição uma equipe econômica demasiadamente heterodoxa, afrontando o mercado com o uso de uma retórica contra sustentabilidade fiscal e tentando tirar o Bolsa Família permanentemente do teto de gastos. Sobre este último tópico, a saída do programa de transferência de renda do teto é um péssimo sinal, pois abre margem para o recorrente uso eleitoreiro do programa; além de permitir espaço no teto para ampliação de gastos obrigatórios que são contraproducentes do ponto de vista dos efeitos multiplicadores sobre o PIB.
A curto prazo, é perfeitamente possível acomodar maiores despesas sociais, independentemente da magnitude, se o governo eleito sinalizar um compromisso formal com o lado fiscal.
Sobre o autor
Benito Salomão é economista e doutor em economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGED-UFU).
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de novembro de 2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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