Eduardo Heleno Santos*, especial para a revista Política Democrática online (47ª edição: setembro/2022)
Há exatos 210 dias teve início a segunda intervenção militar russa em território ucraniano. Marcada por um rápido avanço das tropas russas na Ucrânia, o conflito passou por uma fase de incerteza devido à incapacidade militar russa em se apoderar da capital, Kiev. Após sete meses de combates, a imprensa ocidental anuncia a contraofensiva ucraniana em Kharkiv, com a retomada de território e uma nova linha de fronteira que abarca as cidades de Izyum e Kupiansk, às margens do rio Oskil, no leste do país.
Nestes últimos dias de setembro, os sinais são desencontrados: o presidente turco, Recep Erdogan, declara para os meios de comunicação que Putin estaria disposto a acabar com a guerra; no dia seguinte, o líder russo faz o discurso à nação e anuncia a convocação de 300 mil reservistas e ameaça usar armas nucleares. Kiev comemora a contraofensiva enquanto as regiões ucranianas de Donbass, Donetsk e Lugansk, Kherson e Zaporizhzia, de maioria étnica russa, preparam referendos para aprovar a adesão ao território russo.
A guerra entre a Rússia e a Ucrânia evidencia a limitação da arquitetura do sistema internacional. A guerra da Síria e o conflito anterior de 2013 entre a Rússia e a Ucrânia já evidenciavam essa falha estrutural. Na Síria, os russos apoiaram o governo de Bashar Al-Assad ajudando não somente a reconstruir o exército do país como atacando posições dos variados grupos opositores, a partir das bases russas de Tartus e Khmeimim, em solo sírio.
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Naquela guerra, os russos puderam testar novas armas de seu renovado complexo industrial militar e uma tática voltada a bombardeios de alvos civis, como hospitais e centros de saúde, fato que se repete na Ucrânia. Houve mais de 400 ataques perpetrados pela aviação russa e síria contra hospitais no país asiático. Na Ucrânia, apenas no primeiro mês de conflito, a Organização Mundial da Saúde aponta que 64 hospitais e instalações médicas foram alvo de bombardeio.
O conflito que Putin proíbe chamar de guerra pode alcançar uma escala que nos traria a terceira guerra mundial. Os Estados Unidos estão dando apoio militar e financeiro para a Ucrânia. Kiev já recebeu até o momento US$ 9 bilhões em ajuda financeira e militar estadunidense. Neste contexto, nota-se uma nova corrida armamentista na Europa.
Desde a reunificação, a Alemanha optou por uma política externa não intervencionista. A diplomacia direcionada às nações do leste europeu, a Ostpolitik, priorizou a reorganização dos países da antiga cortina de ferro em um ambiente de paz. Porém, as tensões entre Moscou e Kiev, acentuadas em 2012, trouxeram um velho dilema para a cultura de defesa na Alemanha: é necessário rearmamento? Essa pergunta não pode ser respondida isoladamente sem levarmos em conta que, paralelamente a Ostpolitik pacífica alemã, tivemos a expansão da OTAN ao longo do mesmo período e a tentativa russa de intervenção na Ucrânia em 2004 e 2013.
Nas guerras de desintegração da Iugoslávia, a aliança militar havia se tornado a ponta de lança da política externa americana no conflito dos balcãs. A partir de 1999, passam a fazer parte da OTAN a Hungria, a República Tcheca e a Polônia. Em 2004, outros países da antiga cortina de ferro, em especial os países bálticos, entram no grupo. Pouco tempo depois, abre-se a possibilidade de adesão da Geórgia e da Ucrânia, o que sinalizou o caminho para ruptura com a Rússia.
O orçamento de Defesa alemão de 2022 é de cerca de 150 bilhões de euros, o triplo do registrado em anos anteriores. Além de atualizar sua base de defesa, até o momento, o governo alemão enviou aos ucranianos 30 veículos antiaéreos Gepard e 6 mil munições para equipar seus canhões, 13,5 mil munições de 155mm, um sistema de radar, 54 veículos M113, 3 mil armas antitanque Panzerfaust, 14,9 mil minas antitanque, 500 lançadores Stinger 3 e 2700 lançadores Strela, 280 veículos de transporte, entre outros itens.
Confira, abaixo, galeria de imagens:
Os 30 países que fazem parte da OTAN se comprometeram a aumentar o investimento em defesa. Com a guerra atual, a União Europeia ampliou em 1250% os recursos financeiros voltados à pesquisa e desenvolvimento no setor de defesa. O Fundo Europeu de Defesa conta com orçamento de € 8 bilhões para o período de 2021 a 2027. Essa escalada silenciosa afeta principalmente a doutrina militar e já apresenta efeitos na contraofensiva ucraniana.
A OTAN e a Rússia, que já chegaram a conviver em um ambiente de parceria estratégica contra o terrorismo, voltam-se como inimigos latentes. Desde junho, a aliança militar aumentou para 300 mil os soldados em prontidão. Esse efetivo é o mesmo da última convocação nacional feita agora em setembro por Putin. Longe de criar um anel de nações irmãs para a proteção de seu território, o líder russo se vê cada vez mais cercado em sua frente ocidental. Com perdas em material, não obstante a irresolução do conflito, a ameaça nuclear de seu discurso acaba sendo sinal dessa relativa fragilidade.
Sobre o autor
*Eduardo Heleno Santos é doutor em Ciência Política (UFF, 2015) com tese sobre a extrema direita no meio militar. É professor adjunto do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (47ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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