Julia de Medeiros Braga*, especial para a revista Política Democrática online
No Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2030, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) projeta que a demanda por eletricidade passe a superar a oferta em 2026, mostrando a necessidade de inserção de novos recursos. Para lidar com as incertezas hidrológicas, o PDE 2031 incorporou critérios mais rígidos, mostrando a possibilidade de violação já em 2024 e indicando aumento do requisito de potência energética no sistema.
Há uma tendência de eletrificação do consumo de energia ao longo do horizonte decenal, o que significa, porém, a perda de importância das fontes fósseis, pelo contrário. O que se observa é aumento da geração termelétrica a gás natural para compensar as variações das afluências das bacias hidrográficas. E essa tendência tende a continuar: o PDE 2031 estima crescimento da demanda termelétrica por gás natural de 6% ao ano no período de 2021 a 2031.
A maior participação relativa das fontes renováveis (eólica, fotovoltaica e biomassa) não diminui a necessidade de expressivo aumento da geração de termelétricas movidas a gás natural. Isso acontece mesmo na estratégia de expansão ótima sob a perspectiva puramente de mercado. Dado um cenário de crescimento do PIB de 3% ao ano, é necessária a expansão de 43 GW, dos quais 22,6 GW são atendidos pelas termelétricas.
















Assim, a Petrobras ganha ainda mais protagonismo no sistema energético nacional, devido não só à extração de petróleo, mas também do gás natural que é retirado no mesmo processo de extração do óleo. O pré-sal possibilitou ao Brasil ganhar parcela de mercado no comércio mundial, e a transição energética não é um entrave a essa tendência. A EPE estima uma continuidade do crescimento da demanda mundial por petróleo na próxima década. Com isso, a produção brasileira de petróleo pode passar dos atuais 3 milhões de barris/dia para 5,2 milhões em 2031. A guerra na Ucrânia e o estremecimento das relações históricas diplomáticas dos EUA com a Arábia Saudita e os Emirados Árabes abrem janela de oportunidades para o Brasil aumentar ainda mais seu market share nas exportações mundiais de petróleo.
Isso tudo precisará contar com fontes de financiamento e realização de obras por parte do poder público, das estatais e das empresas privadas. Daí porque o debate acerca da política fiscal apropriada para permitir esse desenvolvimento se faz fundamental.
Uma sugestão de medida tributária adequada a esse contexto é a taxação sobre as exportações (ou sobre o direito de exportar) de produtos primários (commodities) cujos preços são determinados nos mercados internacionais. Este tributo teria a vantagem de reduzir o preço requisitado pelos produtores para atender o mercado interno. Apesar de levar a uma taxa de lucro menor, esta ainda seria elevada em situações de preços mundiais altos e não teria por que reduzir o volume exportado.
O desenho ideal dessa alíquota é variar de acordo com o preço da commodity (já convertido em reais brasileiros), podendo ser isenta caso o preço fique abaixo de certo limiar. Em anos como o de 2021, com a disparada dos preços nos mercados internacionais adicionada da desvalorização cambial, os lucros dos exportadores de commodities ficam extraordinariamente altos, o que justificaria a adoção de uma alíquota mais alta.
No caso da Petrobrás, a regra de equiparação do preço importado deve considerar o preço já líquido dessa alíquota tributária variável. Isso torna a regra de preço mais flexível, por não prejudicar o equilíbrio econômico-financeiro da empresa em tempos de preços baixos, mas que não joga todo o ônus ao consumidor final em tempos de preços altos. O pré-sal possibilita à Petrobras continuar se valendo de uma enorme vantagem absoluta de custos mesmo com esse imposto. Outro efeito benéfico é o incentivo para as empresas investirem em ampliação de refino para processar o óleo e exportar (ou reduzir as importações de) seus derivados.
Além dessa tributação, o Estado deve atuar numa política de expansão dos investimentos e financiamento públicos direcionados ao setor de energia. A EPE aponta a necessidade de (1) resolver o gargalo de infraestrutura do gás natural, com rotas de escoamento, unidades de processamento e gasodutos de transporte; (2) modernização de Usinas Hidrelétricas; (3) investimentos em tecnologias de armazenamento de energia; (4) a exploração do grande potencial de urânio para a energia nuclear, além da promoção de biocombustíveis e das outras fontes renováveis; e (5) investimentos em transmissão, para ampliar a capacidade de interligação entre os subsistemas sudeste e sul e também com o sistema norte e nordeste, que concentra a expansão das fontes renováveis. Essas interligações permitem otimizar as complementaridades sazonais e geram ganhos de eficiência ao sistema, sobretudo em épocas de alta incerteza devido aos episódios climáticos extremos.
Saiba mais sobre a autora
*Julia de Medeiros Braga é economista e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF)
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática online de abril de 2022 (42ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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