Revista online | O debate ausente: o desequilíbrio externo persistente da economia brasileira

Está claro que a situação fiscal no Brasil está longe de ser confortável, mas a dívida pública brasileira é similar à de países como Índia e China
Plano real economia Brasil | Imagem: rafapress/Shutterstock
Plano real economia Brasil | Imagem: rafapress/Shutterstock

José Luis Oreiro*, professor de Economia da UnB, especial para a revista Política Democrática online (50ª edição | Dezembro de 2022)

O período que sucedeu a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno das eleições presidenciais foi marcado pelas controvérsias sobre o “estouro do teto de gastos” previsto pela “PEC da Transição”. Na versão aprovada pelo Senado Federal no dia 07 de dezembro de 2022, ficou estabelecido que o governo federal poderá gastar até R$ 145 bilhões “fora do Teto” para executar políticas como a manutenção do Bolsa Família em R$ 600 com acréscimo de R$ 150 por filho, recompor o orçamento do programa farmácia popular, entre outras políticas sociais e assistenciais. Muitos economistas, a maioria deles ligada direta ou indiretamente ao mercado financeiro, se opuseram publicamente a essa medida alegando que a “farra fiscal” (sic) iria produzir uma fuga de capitais do país, a interrupção do financiamento da dívida pública por parte do mercado, uma maxidesvalorização cambial e o recrudescimento da inflação ao longo do ano de 2023, o que levaria a uma queda do salário real e a um agravamento da situação de fome e pobreza no país. 

Confira a versão anterior da revista Política Democrática online

Não é a primeira vez que esse tipo de cenário apocalíptico é desenhado. Em 2020, durante a pandemia da covid-19, não foram poucos os que disseram que o Brasil caminhava para um “abismo fiscal” devido aos gastos excessivos com o auxílio emergencial, os quais levariam a relação dívida pública/PIB para perto de 100% em 2022 e que, devido a algum mecanismo mágico, a economia brasileira entraria numa espécie de “buraco negro” com consequências catastróficas para a economia do país. Como sabemos, nada disso ocorreu. Graças, em larga medida, ao auxílio emergencial, a economia brasileira teve uma contração modesta em 2020 (de apenas 3,3%) na comparação com os Estados Unidos e os países da União Europeia. Além disso, a relação dívida pública/PIB no Brasil deve fechar em torno de 78% em 2022, muito abaixo do cenário desenhado pelos profetas do apocalipse.

Está claro que a situação fiscal no Brasil está longe de ser confortável, mas a dívida pública brasileira (% do PIB) é similar a de países como Índia e China. Se o próximo governo for capaz de desenhar uma nova regra fiscal para pôr no lugar do teto de gastos, que seja capaz de conciliar o espaço fiscal necessário para o aumento do investimento público em infraestrutura e dos gastos assistenciais com a redução da dívida pública como proporção do PIB no médio prazo, para um patamar em torno de 65% do PIB, não há razão para acreditar que o crescimento econômico possa ser restrito pelo lado fiscal. 

Uma ausência gritante, para não dizer escandalosa, no debate econômico brasileiro é o desequilíbrio externo. Conforme verificamos na figura 1 abaixo, a partir de maio de 2008, no acumulado em 12 meses, o Brasil começou a apresentar déficit crescente na conta de transações correntes do balanço de pagamentos, o qual atingiu a marca de 4,25% do PIB em outubro de 2015. Esse desequilíbrio externo resultou numa desvalorização da taxa real efetiva de câmbio de 17,12% entre janeiro e dezembro de 2015, contribuindo de forma decisiva para a aceleração da inflação neste ano e para a elevação da taxa básica de juros por parte do Banco Central, amplificando a recessão que havia começado no segundo semestre de 2014. 

Fonte: Ipeadata. Elaboração do autor 

Graças à forte desvalorização cambial e à queda de mais de 8% do PIB entre o segundo semestre de 2014 e o último trimestre de 2016, o déficit em conta corrente se reduziu para 0,894% do PIB em março de 2018. Embora déficits em conta corrente inferiores a 1% do PIB não sejam preocupantes do ponto de vista do financiamento externo, chama atenção que, após a maior recessão dos últimos 40 anos e de uma forte desvalorização da taxa de câmbio, a economia brasileira se mostrou incapaz de voltar a gerar superávits em conta corrente, como no período de junho de 2003 a dezembro de 2007. Mais grave ainda é o fato de que, uma vez passados os efeitos da grande recessão brasileira (2014-2016), o déficit em conta corrente como proporção do PIB no acumulado em 12 meses volta a se elevar atingindo 3,52% do PIB em junho de 2020, já no período da pandemia do covid-19. 

De fevereiro de 2020 a maio de 2021, a taxa real efetiva de câmbio se desvaloriza em 30,75%, e a economia se encontra em recessão. Apesar da enorme mudança de preços relativos e da queda do nível de atividade econômica, o déficit em conta corrente no acumulado em 12 meses se reduz para apenas 1,90% em agosto de 2021, apresentando desde então nova tendência a elevação. 

Veja, a seguir, galeria:

Foto: Rafastockbr/Shutterstock
Reprodução: Infomoney
Reprodução: Livros de Marketing
Reprodução: Blitzdigital
Reprodução: FGV
Reprodução: Criptofacil
Foto: Rafastockbr/Shutterstock
Reprodução: Jornal Grande Bahia
Foto: Danilo de Oliveira/Shutterstock
Foto: Rafapress/Shutterstock
Foto: Rafastockbr/Shutterstock
previous arrow
next arrow
Foto: Rafastockbr/Shutterstock
Reprodução: Infomoney
Reprodução: Livros de Marketing
5
Reprodução: FGV
Reprodução: Criptofacil
Foto: Rafastockbr/Shutterstock
Reprodução: Jornal Grande Bahia
Foto: Danilo de Oliveira/Shutterstock
Foto: Rafapress/Shutterstock
previous arrow
next arrow

Os dados apresentados parecem apontar para o retorno da rigidez estrutural do balanço de pagamentos, situação na qual a desvalorização cambial se mostra incapaz de resolver o desequilíbrio externo devido ao perfil da pauta de exportações. A desindustrialização precoce da economia brasileira resultou numa reprimarização da pauta de exportações, reduzindo assim a sensibilidade das exportações ao câmbio. Nesse contexto, o crescimento do PIB a um ritmo mais robusto será inevitavelmente estrangulado pelo aumento explosivo do déficit em conta corrente, que termina sempre desencadeando uma crise cambial, com maxidesvalorização do câmbio, elevação da inflação e da taxa de juros, abortando assim a retomada do crescimento. 

Sobre o autor

*José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da UnB. E-mail: joreiro@unb.br.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de dezembro/2022 (50ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

Leia também

Revista online | Nunca houve ninguém como Pelé

Revista online | Confira charge de JCaesar sobre resultado das eleições

Revista online | A marca Pelé

Revista online | Editorial: Sinais de 2023

Revista online | São Ismael Silva

Revista online | Avatar 2: Sublime até debaixo d’água

Acesse a 49ª edição da Revista Política Democrática online

Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online

Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online

Privacy Preference Center

Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga. Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga.