Henrique Brandão*, jornalista, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro/2023)
O dia 8 de janeiro se prenunciava um domingo tranquilo, o primeiro depois da emocionante, e carregada de simbolismo, posse de Lula. No entanto, pouco antes das 15 horas, uma horda de militantes de extrema direita, que havia saído do acampamento em frente ao Quartel General (QG) do Exército em Brasília, invadiu a Praça do Três Poderes e promoveu a mais perigosa e explícita tentativa de tomada do poder fora do marco constitucional estabelecido pela Constituição de 1988.
As palavras de ordens proferidas, a não aceitação do resultado da eleição, o pedido de estabelecimento de um governo militar-fascista, deixavam claras as intenções dos mais de 4.000 golpistas que se dirigiam ao coração da República, dispostos a vandalizar e quebrar tudo ao seu alcance.
Estava óbvio, conforme as imagens de TV eram transmitidas para o mundo inteiro, que o objetivo era criar o caos e gerar o terror. Não era, nunca foi, uma manifestação com intenções políticas pacíficas, como algumas lideranças da direita tentaram caracterizar o quebra-quebra instaurado nos prédios – e em seu entorno – que foram alvos dos ataques que os vandalizaram.
As invasões e depredações tinham alvos muito bem definidos. Não à toa, os prédios visados abrigam as sedes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa separação entre os poderes, cada qual com suas atribuições, é a base da doutrina constitucional liberal na qual se assentam, hoje em dia, as nações do mundo Ocidental, inspirada na obra o Espírito das Leis (1748), de Montesquieu (1689-1755) e adotada pela primeira vez na Revolução Francesa (1789-99), que marcou o fim do Absolutismo na França.
As cenas registradas pelas emissoras de TV, pelas câmeras dos profissionais de imprensa (muitos foram agredidos e tiveram os equipamentos roubados), nos circuitos internos de segurança dos prédios invadidos e até pelos próprios manifestantes são lamentáveis.
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Chamou a atenção, no rescaldo dos escombros, a depredação de obras de arte expostas nesses palácios. Quase nenhuma passou incólume pela cólera dos invasores. A cena de um bárbaro jogando ao chão um relógio de Balthazar Martino, do Século XVII, trazido ao Brasil em 1808 por Dom João VI, é estarrecedora.
Outro invasor, em fúria, fez sete rasgos na tela As Mulatas (1962), de Di Cavalcanti (1897-1976), principal peça do Salão Nobre do Palácio do Planalto. A tela retrata bem a produção de Di Cavalcanti e traz em sua composição tema recorrente do grande pintor e desenhista, que tem a obra marcada por retratar personagens e figuras icônicas do povo brasileiro.
A escultura de Frans Krajcberg (1921-2017) Galhos e sombras também foi quebrada em diversos pontos. A obra se utiliza de galhos de madeira oriundos de queimadas, colhidos na Mata Atlântica, no Sul da Bahia. Outra escultura, O Flautista, de Bruno Giorgi (1905-1993), foi destruída.
Na Câmara dos Deputados, o alvo foi a linda estátua de Victor Brecheret (1894-1955), A Bailarina, produzida nos anos de 1920, que foi arrancada de seu pedestal.
No STF, vandalizaram o famoso monumento de Alfredo Ceschiatti (1918-1989), localizado em frente ao prédio do Poder Judiciário e que, ao longo do tempo, se transformou em um dos emblemas mais conhecidos de Brasília, por representar a imparcialidade da Justiça.
Não chega a ser surpresa a destruição de símbolos da cultura brasileira pela manada bolsonarista. Durante os quatro anos de seu nefasto reinado, o que imperou na área da cultura foi a tentativa de aniquilamento total do setor. A começar pelo chefe supremo da tropa, que acabou com o Ministério da Cultura (MinC), transformando-o em um apêndice inútil do Ministério do Turismo.
O secretário de Cultura de Bolsonaro no início de 2020, Roberto Alvim, personificou o modo de agir da extrema direita. Em vídeo nas redes sociais, imitou Goebbles, o ministro da Propaganda de Hitler, a quem é atribuída a célebre frase: “Quando ouço falar em cultura, saco o meu revólver”. Acabou demitido, por pressão da opinião pública.
Confira, a seguir, galeria:
Modernismo e nazismo jamais se bicaram. Basta se lembrar da exposição Arte Degenerada (Entartete Kunst), promovida pelo regime nazista, em 1937. A exposição reuniu obras modernistas dos acervos de museus alemães e marcou o ápice da campanha do regime nazista contra a arte moderna, considerada artisticamente indesejável e moralmente prejudicial.
Não é mera coincidência, portanto, que a maioria das obras avariadas no putsch da extrema direita seja de artistas que participaram do modernismo brasileiro, em todas as suas formas de expressão, presentes nos prédios dos Três Poderes, a começar pela arquitetura, imortalizada no traço de Oscar Niemeyer, que sempre chamou artistas contemporâneos para compartilhar os espaços públicos com obras de suas lavras. Athos Bulcão, parceiro constante de Niemeyer, foi outro que teve obras vandalizadas. Esse atentado é também uma agressão à cultura brasileira. Tudo presente naqueles prédios públicos pertence ao povo brasileiro.
Que todos os envolvidos, no rigor da lei, sejam punidos, sem exceções. Os bagrinhos, os financiadores, os incentivadores e ideólogos da invasão. Civis, ricos ou pobres. Militares, de alta ou baixa patente.
A democracia sairá fortalecida. É o que espera o povo brasileiro.
Sobre o autor
*Henrique Brandão é jornalista.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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