Benito Salomão*, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
Com a proximidade das eleições e a flagrante e persistente desvantagem de Bolsonaro nas pesquisas, o governo se mexeu para produzir um “pacote de bondades” com vistas a tentar atenuar, pelo menos a curto prazo, o sofrimento em curso no Brasil. As medidas, no entanto, já conhecidas pelo eleitor brasileiro, são artificiais e tendem a produzir uma meia melhora em curtíssimo prazo na economia brasileira, a custa de desequilíbrios macroeconômicos futuros.
A atividade econômica prevista para o ano de 2022 está melhorando. As projeções do Boletim Focus do Banco Central indicam que o crescimento do PIB deve ser acima de 2%. A ser confirmado, tal resultado indicaria uma atividade melhor do que o ocorrido na última década, cuja média de crescimento do PIB foi próxima de 0%. Entretanto, um crescimento de 2% é extremamente baixo para um país de renda média como o Brasil e deve ser limitado ao ano de 2022, o que desperta a atenção para a insustentabilidade do nosso padrão de crescimento do tipo “voos de galinha”.
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A realidade social do Brasil não será transformada, nos próximos 20 anos, se o crescimento econômico não for capaz de sustentar uma taxa média de 4% ao ano neste período. Ou seja, a taxa atual de crescimento prevista pelo Focus, ainda que melhor do que as previsões feitas no início de 2022, continua sendo medíocre e incapaz de proporcionar expansão do bem-estar social no país. Um crescimento do PIB médio de 1% ou 2%, virá acompanhado da manutenção de níveis elevados de desemprego, desalento, pobreza e fome. Ou seja, trata-se da perpetuação do contexto econômico atual.
Alívio semelhante está ocorrendo no lado nominal da economia. A inflação de 2022 não será de 9%, como as previsões apontavam antes da aprovação da PEC dos combustíveis. Agora, diante desse novo cenário do ICMS, a inflação será próxima a 7%, quase o dobro da meta prevista para o ano. Nem de longe um IPCA de 7%, caso ocorra, indica uma inflação baixa e, ainda assim, está se dando à custa de um nível de preços maior em 2023.
Existe um elevado teor de artificialismo na queda da inflação em curso no Brasil. Parte da elevação de preços decorrente neste ano se deu devido a choques de oferta clássicos sobre os preços de petróleo e energia. Tais choques, no entanto, são apenas temporários e tendem a se dissipar ao longo do tempo. O governo combateu um choque temporário de preços do petróleo com uma mudança permanente no ICMS dos combustíveis que trará inúmeras consequências indesejáveis.
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A limitação da capacidade de arrecadar dos Estados desorganiza o equilíbrio federativo no Brasil, pois o ICMS é uma das principais fontes de receitas próprias dos governos estaduais. Isso tende a repercutir negativamente no caixa dos municípios, particularmente os de médio e grande porte, que, por determinação constitucional, recebem parte (25%) da arrecadação do ICMS dos Estados. Oferecer subsídios tributários a combustíveis fósseis tem efeitos ambientais e climáticos que vão na contramão da mudança do padrão energético global, que caminha para a ruptura com a dependência do carbono.
Também há efeitos concentradores nessa estratégia de subsidiar combustíveis via ICMS. Isso porque estados e municípios são responsáveis, segundo a Constituição, pela prestação na ponta de um conjunto amplo de bens e serviços públicos. Os Estados garantem educação média, segurança pública e atendimento de saúde de média complexidade, além de infraestrutura interurbana. Já os municípios ofertam educação básica, atendimento de saúde primário, infraestrutura urbana, transporte, entre outros serviços públicos utilizados principalmente pelas populações de baixa renda. Enquanto isso, carros movidos a combustíveis fósseis são bens privados utilizados pelas classes média e alta.
Na prática, a PEC do ICMS concentra renda, desorganiza o equilíbrio federativo nacional, estimula a demanda por energia com elevado impacto climático e não soluciona o problema da inflação. Apenas leva pontos de inflação deste ano para 2023. Do ponto de vista político, no entanto, devido às resistências dos beneficiados e aos interesses difusos dos prejudicados pela PEC, isso não deve ser revisado por um próximo governo.
Sobre o autor
*Benito Salomão é economista-chefe da Gladius Research e doutor em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia (PPGE-UFU).
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto/2022 (46ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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