Revista online | A COP 27 fracassou?

Razões técnico-científicas permanecem apontando o carvão como o grande vilão do aquecimento
Fontes renováveis de energia são debatidas no COP 27 | Foto: Mohamed Abd/El Ghany Reuters
Fontes renováveis de energia são debatidas no COP 27 | Foto: Mohamed Abd/El Ghany Reuters

Benjamin Sicsú*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022) 

A resposta ao título provocativo depende, claro, da premissa adotada para a análise. De todos os temas analisados no âmbito das Nações Unidas, a mudança climática é, atualmente, o que encontra maior engajamento, ainda que a intensidade das decisões seja diferente a cada rodada de discussão. 

A precariedade do contexto mundial, desencadeado pela pandemia da covid-19, e posterior invasão da Ucrânia pela Rússia, forçou países a tomarem algumas medidas que se refletiram sobre essa edição da COP, levando à leitura de que ela não teve sucesso. 

A Conferência das Partes (COP) é o órgão supremo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, adotada em 1992. As reuniões de deliberação ocorrem anualmente desde 1995. Durante duas semanas, os países avaliam a situação do clima no planeta e propõem mecanismos para garantir a efetividade da convenção.

Este ano, o encontro realizou-se no Egito e muitas das expectativas do mundo ecológico-climático não foram atendidas, o que gerou o sentimento de frustração. Mas é preciso avaliar a situação dentro do marco histórico e do contexto político mundial para se ter a real dimensão dos resultados obtidos em Sharm el-Sheikh.  

Os resultados acordados na COP de Paris, em sua edição de número 21, ocorrida em 2015, foram, até o momento, os mais impactantes para o encaminhamento de soluções visando equacionar a crise climática. Decidiu-se ali que era preciso manter a temperatura média da terra abaixo de 2 graus celsius acima dos níveis pré-industriais. 

Pactuou-se também a necessidade de realizar esforços para que esse limite não ultrapasse 1,5% acima dos níveis pré-industriais. Foi acordado, ainda, que os países desenvolvidos manteriam um fluxo regular de financiamento de recursos financeiros para os países mais pobres poderem adotar tais medidas visando a redução do aquecimento global.

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De Paris para o Egito, as sucessivas COPs foram destinadas a avaliar e criar as condições de implantação dessas medidas, sendo também monitorado o anúncio feito por cada um dos países sobre quais seriam suas contribuições para o objetivo de redução da temperatura. 

Este ano, havia grande expectativa de que fossem pactuadas novas medidas em direção à eliminação do uso de combustíveis fósseis, como o carvão. Eles representam atualmente 80% das emissões que causam aumento de temperatura. Na COP 26, realizada em Glasgow, pela primeira vez, o texto final trouxe a citação ao carvão e enunciou medidas necessárias para o fim de seu uso. Não houve, então, qualquer menção ao uso de gás e de petróleo. 

Na COP do Egito, além de continuar não priorizando medidas em relação ao gás e petróleo, o acordo finalizado retirou o foco dado ao uso do carvão. No texto final, foi trocado o termo “redução gradativa” para “eliminar subsídios ineficientes”, e isso foi entendido como um retrocesso.

Em função da invasão da Ucrânia, temos que entender que, no último ano, países líderes nas medidas de contenção da temperatura, como a Alemanha, foram impelidos a adotar medidas contrárias ao enunciado em Glasgow. País da Europa mais dependente do gás russo, a Alemanha teve que acionar usinas a carvão para se contrapor à diminuição do recebimento do insumo importado da Rússia. Logicamente, esse choque de realidade refletiu-se sobre o documento final da COP 27.

Mas essa é uma situação transitória. Tão logo o mundo reequacione as consequências geopolíticas da invasão da Ucrânia, medidas de extinção do uso do carvão voltaram a ser debatidas e adotadas. As razões técnico-científicas permanecem apontando o carvão como o grande vilão do aquecimento. Portanto, esse pequeno recuo não pode ser entendido como um fracasso. Trata-se de uma acomodação política a um imperativo causado por uma situação-limite. 

O que se tem que levar em conta é que a COP 27 produziu uma grande vitória. O documento final cria, pela primeira vez, o mecanismo denominado “perdas e danos”. Por ele, os países ricos pagarão os mais pobres na implantação de medidas de combate à destruição climática. Significa que países que sofreram danos humanos e materiais por causa do aquecimento global poderão ser compensados ou indenizados pelos países que causaram a alteração. 

Essa questão, que remonta às consequências do passado colonial, terá seu mecanismo detalhado tecnicamente ao longo do próximo ano. E poderá, em sua parte operacional, ser implementada na próxima COP. Trata-se de um acordo histórico, pois, pela primeira vez, os países do passado colonizador se comprometeram a pagar àqueles que foram objetos de políticas destrutivas relacionadas ao clima.

Confira, a seguir, galeria:

Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na COP 27, no Egito | Foto: Agência Brasil
O documento final faz menção a florestas e a soluções baseadas na natureza, levando em conta as questões da biodiversidade | Foto: reprodução/Agência Brasil
O acordo finalizado retirou o foco dado ao uso do carvão. Usina de energia a carvão, em Mannheim, Alemanha| Foto: EFE/EPA/RONALD WITTEK
A COP 27 segue não priorizando medidas em relação ao gás e petróleo | Foto: reprodução | FIRJAN
A Conferência das Partes (COP) é o órgão supremo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, adotada em 1992 | Imagem: reprodução
Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na COP 27, no Egito | Foto: Agência Brasil
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Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na COP 27, no Egito | Foto: Agência Brasil
Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na COP 27, no Egito | Foto: Agência Brasil
O documento final faz menção a florestas e a soluções baseadas na natureza, levando em conta as questões da biodiversidade | Foto: reprodução/Agência Brasil
O acordo finalizado retirou o foco dado ao uso do carvão. Usina de energia a carvão, em Mannheim, Alemanha| Foto: EFE/EPA/RONALD WITTEK
A COP 27 segue não priorizando medidas em relação ao gás e petróleo | Foto: reprodução | FIRJAN
A Conferência das Partes (COP) é o órgão supremo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, adotada em 1992 | Imagem: reprodução
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Outra importante vitória é a menção a florestas e a soluções baseadas na natureza. Embora vagas, essas referências colaboram para criar uma ponte entre as COPs do Clima e as da Biodiversidade, que também são organizadas no âmbito das Nações Unidas. Passa-se a ter o entendimento de que, para resolver a crise climática, é preciso levar em conta as questões da biodiversidade. Este é um passo fundamental para o melhor encaminhamento da relação clima-biodiversidade, essencial para a sobrevivência do planeta. Já poderemos ver consequência desse novo elo nas discussões da COP 15 da Biodiversidade, marcada para dezembro de 2022, em Ottawa.

Por todas essas questões e considerando a reentrada do Brasil como um dos líderes da discussão das mudanças climáticas e o anúncio feito, pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, de adotar a política de desmatamento zero da Amazônia, considero que a COP 27 foi um sucesso. 

Sobre o autor

*Benjamin Sicsú é ex-ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do governo Fernando Henrique Cardoso; presidente do conselho administrativo da Fundação Amazônia Sustentável, maior ONG a atuar na Floresta Amazônica, e integrante do Conselho Fiscal da Fundação Astrojildo Pereira.

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de novembro de 2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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