O ministro da Defesa defende a Lava Jato e diz que, no modelo atual, qualquer presidente, inclusive Temer, precisa render-se ao leilão de cargos e verbas, sob pena de não governar
Por Robson Bonin, Páginas Amarelas, Revista Veja
A agenda do ministro da Defesa, o pernambucano Raul Jungmann, de 65 anos, é espinhosa. É dele a responsabilidade de comandar a intervenção das tropas federais no Rio de Janeiro, contornar a insatisfação dos militares com a penúria orçamentária e intermediar a relação do presidente Michel Temer com o seu partido, o PPS, que, apesar de ter abandonado a aliança governista, ainda pode dar votos favoráveis à reforma da Previdência. Para encarar a dureza da rotina, Jungmann despacha ao som de óperas do compositor italiano Giuseppe Verdi. Na militância política, o ministro, que é suplente de deputado federal, lamenta o estado deplorável do sistema político-eleitoral, mas acha que a Lava-Jato está fazendo um necessário trabalho de saneamento. Hoje, tal como está, o sistema é um convite à corrupção mútua, em que um poder corrompe o outro. A seguir, os principais trechos de sua entrevista a VEJA.
O PPS, seu partido, deixou a base governista por causa das denúncias de corrupção. O senhor se sente à vontade no governo do presidente Michel Temer? Se não me sentisse à vontade, sairia. Houve uma precipitação do PPS, e eu disse isso ao presidente do partido. Não me senti obrigado a deixar o governo porque estou em uma função de Estado, em um momento de crise, e tenho compromisso de lealdade com o presidente Temer e os comandantes das Forças Armadas.
Não é constrangedor dividir o ministério com investigados na Lava-Jato? Essa purgação trazida pela Lava-Jato é necessária. Do mesmo jeito que no Brasil há capitalismo de laços, vivíamos uma política de laços, e acho que isso está sendo rompido pela Lava-Jato. Melhor seria se o próprio sistema político tivesse se antecipado. Não o fez, agora está pagando o preço. Esse processo não pode nem deve parar, para o bem do Brasil.
O senhor disse que o presidente Temer tem o direito de terminar o mandato. Não era direito da sociedade ver o STF investigando as denúncias que pesam contra ele? Lembro que o Congresso decidiu que não cabe investigar o presidente agora. A investigação deverá prosseguir, se assim o Judiciário entender, depois do mandato. Mas acho que há interesse público na continuidade de um governo que se propõe a retirar o país da crise a que o populismo nos lançou. Aceitar a denúncia lançaria o país numa turbulência ainda pior.
Como político, o senhor acha razoável destinar bilhões de reais para financiar campanhas eleitorais? Não é razoável. Fomos lançados nessa situação por uma decisão equivocada do Supremo ao proibir — e não limitar, que seria o correto — as doações privadas. O Brasil não tem tradição de doação de pessoa física às campanhas. A proibição do financiamento privado nos condenou à busca de saídas equivocadas como essa. Não é aceitável nem palatável concordar com essa saída neste momento.
Como o senhor avalia as negociatas e barganhas envolvendo o Congresso? Temos um sistema ingovernável, com mais de trinta partidos. Ressalvando meia dúzia que têm projeto, a grande maioria se transformou em negócios. A lassidão e a frouxidão no controle dos partidos levam à situação em que qualquer presidente da República, para fazer maioria, precisa barganhar cargos e emendas. É uma forma sofisticada e disfarçada de corromper um poder pelo outro.
O senhor cogita concorrer ao governo do Rio de Janeiro, como dizem? Se eu fizesse um movimento desses, jogaria no lixo todo o trabalho e a operação que aí estão. E teria de pedir demissão do cargo, porque as Forças Armadas, como instituição do Estado, não se prestam a ser cabo eleitoral de quem quer que seja. Não sou moleque para fazer uma coisa dessas.
“Lula teve chances incomparáveis, com condições econômicas favoráveis aqui e lá fora, de tornar o Brasil um país moderno e não o fez. Ele ficou no populismo econômico”
Lula tem chances de vencer a próxima corrida presidencial? Se o Lula tiver condições de ser candidato, acho difícil que ganhe as eleições. Ele tem teto eleitoral, e esse teto não lhe permite chegar à Presidência. Lula teve chances incomparáveis, com condições econômicas favoráveis aqui e lá fora, de tornar o Brasil um país moderno e não o fez. Ele ficou na esfera do populismo econômico e fiscal, torrou bilhões de reais e deu guarida ao maior esquema de corrupção já investigado na história brasileira.
O senhor foi ministro da Reforma Agrária no governo FHC. Aquele desafio era maior do que o atual? Eu peguei o auge dos conflitos fundiários no Brasil. Fui nomeado doze dias depois de Eldorado dos Carajás (quando a Polícia Militar do Pará, em abril de 1996, matou dezenove trabalhadores sem-terra). Brinco que aqui é o Ministério da Defesa. Lá era o Ministério da Guerra. Naquele momento, o PT usava o MST para fazer o governo FHC sangrar. Hoje as coisas mudaram. Os governos Lula e Dilma promoveram a cooptação do MST, que passou a ser chapa-branca e entrou em declínio, tendo agora um papel secundário.
Qual o impacto da penúria financeira na caserna? Estamos operando no limite. Se não houver a liberação de recursos até o início de outubro, teremos problemas operacionais nas Forças Armadas. Isso gera preocupação e desconforto como em qualquer outra instituição que depende de orçamento. A pressão existe, mas a área econômica prometeu liberar recursos agora que a meta fiscal foi revisada. O que o Brasil ganha investindo dinheiro e tropas em ações como a missão no Haiti? Em treze anos de operação, cerca de 36 000 soldados brasileiros passaram pelo Haiti. Foi uma grande oportunidade de treinamento para as tropas. O país ganhou respeito e reconhecimento internacional pelo desempenho dos nossos soldados em prover a paz, tanto que temos solicitações de dez países para coordenar uma futura missão. Depois do Haiti, iremos para a República Centro-Africana.
Qual o resultado das varreduras que o Exército vem fazendo em presídios de vários estados? É espantoso. Na 14ª de 21 varreduras realizadas até agora, o somatório da população carcerária revistada dava 12 000 homens e já contávamos mais de 4 000 armas brancas. Ou seja, você tinha uma arma branca para cada três apenados. Isso é a maximização da tragédia e do massacre. Ainda tinha celular, armas de fogo, drogas, munição, televisores, rádio, geladeira, freezer… Identificamos presídios em que o controle interno era feito pelos próprios presos. A superpopulação carcerária e o déficit de agentes penitenciários levaram os governos de alguns estados a realizar pactos não escritos com o crime organizado.
Se o sistema carcerário não impede a entrada de novas armas nos presídios, o que fazer? É exatamente essa a nossa preocupação. Por isso, tornamos público o resultado das varreduras nos presídios e chamamos a atenção dos governos estaduais e da opinião pública. O governo liberou recursos para a construção de pelo menos um presídio em cada estado. Mas é muito difícil que os municípios aceitem recebê-los e que haja velocidade em suas obras. É uma face da tragédia do sistema carcerário.
O uso das Forças Armadas em conflitos de segurança pública é adequado? Quando um governador solicita o emprego de Forças Armadas, o presidente da República se vê diante de um dilema. Ele não pode deixar a população exposta e vulnerável ao crime. Por outro lado, a utilização das tropas, cada vez mais recorrente em decorrência da crise de segurança, vem banalizando as operações de garantia da lei e da ordem. As Forças Armadas não são treinadas e preparadas para combater o crime. Costumo dizer que o emprego delas para esse fim faz com que o bandido simplesmente tire férias. As tropas entram, o bandido sabe que não pode ficar ali e se retrai. Quando as tropas saem do território, ele volta. A presença das Forças Armadas apenas inibe, mas não tira a capacidade operacional do crime. Isso quem pode fazer são as polícias. É como se fosse uma anestesia. A dor passa no primeiro momento, mas, quando cessa o efeito da anestesia, o mal está lá, continua.
É o que acontece no Rio de Janeiro? O Rio de Janeiro é um caso necessário de intervenção federal. Pelos dados que temos, o Rio tem mais de 800 comunidades controladas pelo crime organizado e pelas milícias. Quem controla a comunidade controla votos, e quem tem votos elege aliados e representantes. Essa cooptação do poder público, esse Estado paralelo é o grande problema do Rio. O estado foi cooptado pelo crime em suas mais diversas esferas. Precisamos criar uma força-tarefa federal que consiga fazer essa desintrusão do crime dentro do estado do Rio de Janeiro. É preciso golpear o comando do crime, os arsenais e o circuito financeiro. Isso se faz com integração de órgãos e inteligência de todas as forças. O presidente determinou que as Forças Armadas ficarão no Rio de Janeiro até o último dia de governo.
“As Forças Armadas inibem, mas não tiram a capacidade operacional do crime. A dor passa no primeiro momento, mas, quando cessa o efeito da anestesia, o mal está lá”
A crise na Venezuela pode trazer instabilidade para toda a região? A Venezuela definitivamente se tornou uma ditadura. A Constituinte de Maduro encerra a ideia de que somos o subcontinente da paz, que os nossos conflitos são de baixíssima intensidade e que o Brasil é líder nesse subcontinente. É muito provável que a gente venha a ter uma repressão de Estado. Se o cenário se degradar desse jeito, teremos um problema sério, porque isso pode provocar o envolvimento de outras potências de fora do subcontinente em assuntos sobre os quais o Brasil se vê como líder. Isso vai nos deixar diante de um grande dilema.
O que preocupa mais: uma escalada militar ou a questão dos refugiados? Não creio em intervenção militar, porque o Brasil tem na Constituição o respeito à soberania das nações e a paz como instrumento essencial. Creio em um período longo de dificuldades humanitárias crescentes. As nossas preocupações mais imediatas são com os refugiados e os brasileiros que vivem na Venezuela. São 17 000 legalizados, mas esse número pode chegara 30 000 com os ilegais. Estamos nos preparando para a hipótese de termos de criar um corredor humanitário para retirar esses brasileiros do país. Isso vai demandar um esforço logístico e uma atuação grande da Defesa.
Para evitar o impeachment, aliados da presidente Dilma cogitaram decretar no Brasil o Estado de Defesa. Era viável? Naquele instante, as Forças Armadas mandaram recado à presidente Dilma que de forma alguma consideravam necessário, tampouco se comprometiam com a decretação de um Estado de Defesa. Antes de isso ocorrer, houve algo mais sério, que foi o decreto que retirava dos comandantes a competência para a promoção das tropas. Isso, sim, representava um retrocesso democrático inaceitável.