A morte volta a triunfar sobre a vida e o seu sucesso se mede pelo número de óbitos, segundo o Anuário da Segurança Pública de 2020. Isto é, as mortes violentas, que vinham caindo desde 2018, voltaram a crescer no primeiro semestre do ano, 7.1%.
No mesmo dia em que o anuário registrava a estatística mórbida, a pesquisa “Mapa dos Grupos Armados do Rio” constatava que 57% do território da cidade do Rio de Janeiro e quase um terço da sua população (dois milhões de habitantes), vive sob o domínio da milícia. Ainda nesse dia aziago, a Polícia Federal informava que os registros de armas cresceram 120% em 2020.
Das trevas do nosso sistema prisional emergia a informação de que 75% dos 862 mil apenados, dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) são negros e pobres. Eis, num único dia, a síntese do inferno da (in)segurança no Brasil e da ausência de uma política nacional pública de segurança sob o atual governo.
A pandemia veio agravar o desemprego crescente, na casa dos 14%, sem contar outros 10 milhões que deixaram de procurar trabalho – talvez pendurados no auxílio emergencial de difícil continuidade, elevando as tensões sociais.
Diante disso, o que faz o governo? Afrouxa os controles sobre a venda de armas, já responsáveis por 77% das mortes violentas. O Susp – Sistema Único de Segurança Pública – e a Política Nacional de Segurança, heranças do extinto Ministério da Segurança, foi enterrado sem cerimônia; a letalidade policial aumentou 6% e a morte de policiais 16.6% no semestre. Enquanto o feminicídio subiu 7.1%, no mesmo período.
Em paralelo, o orçamento do governo federal para a segurança, equivalente a 11% % do gasto total, caiu 3.8%%! A política de combate às drogas, reconhecidamente falida, segue levando milhares de jovens negros, pobres, de baixa renda e precária educação, para as garras das 70 facções de base e origem prisional. Estas, dominam quase 80% das 1.500 unidades prisionais do país e de lá de dentro controlam o tráfico e a violência nas ruas.
Esses jovens, os 11 milhões de “sem-sem” – sem escola e sem trabalho -, não são alcançados por nenhum programa nacional que reduza as suas vulnerabilidades ao chamado do crime, o que os faz 55% da terceira maior população prisional do mundo. Pior: cresce 8% ao ano, num sistema prisional superlotado, com o dobro de presos para as vagas disponíveis.
Conclusão: sem uma política nacional de segurança, que contemple a reforma do sistema prisional, um programa nacional para a juventude vulnerável, nova política de drogas e a reforma das nossas polícias, dias piores virão.
*Raul Jungmann – ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.