Ele já foi comunista de carteirinha (membro do PCB, o famoso “partidão”) e adversário ferrenho dos militares que deram um golpe em 1964 exatamente para conter o avanço dos comunistas. Hoje, Raul Jungmann, de 65 anos, é o ministro da Defesa, que comanda os militares das três forças (Marinha, Exército e Aeronáutica). E lidera as casernas com o aval dos chefes do Estado Maior. “Eu cheguei ao cargo por sugestão dos militares, acatada pelo presidente Temer”. E é com esse respaldo que o pernambucano Jungmann, deputado federal por três mandatos pelo PPS e que foi ministro do Desenvolvimento Agrário de Fernando Henrique Cardoso, está à frente da Operação Rio, com o uso ostensivo de tropas das Forças Armadas para o combate ao crime organizado que tomou conta da rotina dos moradores da cidade. “Não vamos acabar com o crime da noite para o dia, mas vamos fustigá-lo. Não haverá trégua”, disse o ministro em entrevista à ISTOÉ. Para ele, o crime está incrustado no Rio e o tráfico já domina 850 comunidades cariocas.
Qual o balanço que o senhor faz da atuação das Forças Armadas no Rio? Com as tropas do Exército nas ruas a violência diminuiu?
As Forças Armadas estão no Rio para apoio às forças de segurança estadual. Não participam diretamente do confronto e nem ocupam comunidades. Dão apoio na área de inteligência e logística. Não se concebeu acabar com o crime da noite para o dia, mas fustigá-lo de forma contínua até atingir a sua capacidade de operação. Não haverá trégua. As operações irão até o final deste governo por decisão do presidente Temer.
Não é a primeira vez que tropas federais precisam socorrer o Rio. O senhor acha que a cidade precisa de forças do Exército permanentes?
Definitivamente, não. Por isso mudamos em relação às operações anteriores que se limitavam ao poder dissuasório com as tropas federais nas ruas. Equivalia a dar férias aos bandidos: tão logo as Forças Armadas deixavam as ruas, eles reapareciam e retomavam as atividades. Dessa vez a ação é continuada, sempre com o fator surpresa e a partir de um trabalho de inteligência.
Apesar dos tanques nas ruas, os criminosos continuam agindo. Os senhor acha que os traficantes perderam o medo das forças militares?
Como já disse, tanques e tropas nas ruas, crime de férias, o que dá uma sensação passageira de segurança. Portanto, não se trata de o crime perder o medo das Forças Armadas ou não. O crime organizado com base no tráfico de armas, drogas – e até de pessoas – ganhou dimensão transnacional. Quando chega nesse estágio, ele desafia o Estado. É disso que se trata no Brasil, de forma mais aguda no Rio, porque lá o conjunto da obra produziu um quadro de falência fiscal, com o crime incrustado no Estado, capturando instituições. É o estado paralelo. Demarcaram territórios. São quase 850 comunidades sob o controle do tráfico.
Parece que o problema é uma deficiência na legislação que não permite que o Exército suba morros e prenda traficantes. O senhor acha que o Exército precisa ter papel de polícia?
Não. As Forças Armadas não podem, nem devem substituir as polícias. Seria um desastre. Elas não são formadas nem treinadas para uma atuação policial. Agem com base na Garantia da Ordem e da Lei, no plano interno, sempre por convocação de um estado da federação, como determina a Constituição. Para dizer a verdade, fazem por submissão constitucional, mas não se sentem confortáveis nessa função, e eu concordo inteiramente com elas. A dificuldade jurídica maior é a desproteção do soldado submetido à justiça comum em caso de incidentes que o tornem suspeito de erro. Pretendemos que ele seja submetido à justiça militar. Na justiça comum ele pode levar até uma década para ter seu julgamento. A justiça militar é mais ágil.
Que a polícia carioca é corrupta todos sabem, mas como o senhor vê o papel de soldados do Exército vazando informações sobre operações aos traficantes?
Não se pode estender a toda a polícia do Rio esse diagnóstico. Em todas as corporações há problemas. Podemos admitir que lá ele possa ter ganho dimensão grave, mas a própria operação continuada vai ajudar a separar o joio do trigo. Quanto ao vazamento detectado, vale dizer que o lado positivo foi justamente a identificação do soldado, sua entrega à polícia estadual e sua prisão. A inteligência funcionou. É de se lamentar. Afinal, um dos problemas que dificultam o combate ao crime é justamente sua infiltração.
O senhor disse que cada operação chega a custar R$ 1,8 milhão. Não é muito dinheiro para se fazer operações que normalmente terminam com a apreensão de um ou dois fuzis?
Claro que há um custo alto, mas ele não pode ser avaliado pelos armamentos recolhidos em cada operação. Aliás, o metro de avaliação escolhido pela mídia carioca é a apreensão de fuzis. Bandidos presos, são mais de 60, drogas etc, não vale. Há outros resultados importantes, como prisões que ajudam à coleta de mais informações. A coleta de fuzis é consequência. O crime organizado perdeu a tranquilidade dos santuários. Na comunidade do Caramujo em Niterói, por exemplo, dentre outras, a polícia sozinha não entrava lá e nós entramos.
Como o senhor vê o fechamento de escolas no Rio durante a realização de operações em favelas?
O fechamento de escolas no Rio antecede as operações em curso hoje no Estado. Estas começaram em 29 de julho, mas já em maio a mídia noticiava que mais de três mil estudantes estavam sem aulas por conta da guerra entre facções por disputa de territórios. É o retrato mais nítido de como o crime subtrai às comunidades dominadas pelo tráfico. Infelizmente, a polícia não escolhe onde vai enfrentar o crime. Este sim é que leva ao medo e ao fechamento das escolas.
Por que o Rio chegou a esse estágio de descontrole?
O Rio chegou a esse ponto por subestimar o poder de articulação e conivência com o tráfico que infiltrou-se no Estado e demarcou territórios, até eleitorais. Ou seja, em determinadas áreas só é candidato quem eles permitem. Foi uma construção lenta e corrosiva. Múltiplos fatores contruibuíram nesse processo. Mas a captura das instituições do estado pelo crime e pela corrupção, associada ou não, foi decisiva.
Sabemos, também, que as armas vem do Paraguai. Não é possível acabar com o fluxo de armamentos para o crime organizado?
Temos fronteiras extensas, de quase 18 mil quilômetros. Não foi possível, até agora, manter tropas nessa magnitude. E, ressalte-se, as Forças Armadas atuam na fronteira subdisiariamente à Polícia Federal e demais órgãos. Agora estamos em alta tecnologia, desde corredores eletrônicos para aviões, que são obrigados a voar nele, onde podem ser escoltados até a pista ou, no limite, serem abatidos. Recentemente foi pego um com 600 quilos de cocaína.
Como está a crise na fronteira do Brasil com a Venezuela? O Brasil pode aumentar o efetivo na região para impedir uma entrada em massa de venezuelanos?
Com relação à Venezuela, nossa preocupação nesse momento é com os 17 mil brasileiros lá residentes e os refugiados. Quanto aos refugiados, já há um contingente no país, mas a previsão é de que se amplie. Na esfera política, minha avaliação é que nosso vizinho já é uma ditadura e caminha para uma situação crítica com a usurpação de toda e qualquer instituição democrática e repressão da oposição.
O Exército vem reclamando da falta de verbas para tocar projetos e melhorar o preparo dos soldados na caserna. Está havendo contingenciamento de verbas para as Forças Armadas?
Houve um contingenciamento de R$ 4,5 bilhões. Contingenciamento geralmente recai sobre as despesas de investimento. Então, até aqui não foi atingida a capacidade operacional, mas estamos no limite.
Como o senhor vê o clima entre os oficiais nas Forças Armadas em função da crise política? Eles acham que os políticos estão levando o País a uma crise institucional?
As Forças Armadas são hoje um ativo democrático do país. Extremamente profissionalizadas e disciplinadas. Tenho sempre respondido a esse tipo de pergunta da seguinte forma: para as Forças Armadas, tudo dentro da Constituição; nada fora da Constituição.
O senhor acha que o pior da crise política já passou, sobretudo depois que o presidente Temer afastou a possibilidade de ser processado pelo STF?
A crise política é da própria política, não é determinada pelo presidente Temer. Há uma transição no país, que passa por uma assepsia de costumes e práticas que durante muito tempo foram tolerados. Claro, esse governo navega em mar turbulento, mas consequência de todo um processo histórico. Vale lembrar que o Congresso, constitucionalmente, é juiz da admissibilidade do processo. E decidiu que a investigação não deve interromper o mandato. Depois disso, é com o STF. Acho que nesse sentido, o pior já passou.
O senhor acredita que o governo ainda vai conseguir aprovar as reformas importantes que ainda faltam, como a da Previdência?
Espero que o governo consiga aprovar a reforma da Previdência. Ela é inevitável, então quanto antes, melhor.
Como o senhor avalia a avalanche de denúncias de corrupção no País e os efeitos delas perante o eleitor?
A assepsia vivida pelo país é positiva. A classe política sofre as consequências, mas não só ela. Muitos outros segmentos têm sido alvos de investigações, o que é, repito, positivo. O país sairá dessa etapa melhor. O descrédito, infelizmente, existe, mas é a classe política que terá de encontrar a saída, a renovação, a mudança de cultura, enfim a conciliação com os novos tempos.
Seu partido, o PPS, deixou de apoiar o governo, mas o senhor continua no Ministério. O senhor acha que o PPS precipitou-se ao romper com o governo Temer?
O Ministério da Defesa é um ministério de Estado, que passa ao largo do teatro político. Eu cheguei a ele por sugestão dos militares, acatada pelo presidente Temer. Não foi uma indicação partidária. Não me consta que o PPS tenha rompido, mas talvez tenha se precipitado ao deixar o governo.
Por Germano Oliveira, da IstoÉ