Ano 1 de Bolsonaro realça o obscurantismo carola, mas também a reação contrária
Como informou meu colega Fábio Zanini, grupos religiosos iniciaram uma campanha de boicote à Netflix em decorrência do especial de Natal do grupo Porta dos Fundos, “A Primeira Tentação de Cristo”.
Jair Bolsonaro representa o empoderamento de denominações evangélicas com legitimidade e notáveis méritos, mas que ainda insistem em empunhar bandeiras medievais e anti-humanistas, como a homofóbica.
Assim como no especial de Natal de 2018 —”Se Beber, não Ceie”, que levou o Emmy internacional de melhor comédia do ano—, o atual filme do grupo humorístico é de uma iconoclastia sem dó nem piedade.
Deus é um grande tiozão f.d.p., José, um marceneiro atrapalhado, um dos três reis magos leva uma puta para o aniversário de 30 anos de Jesus, que, em linhas gerais, age como um adolescente de 15 e volta dos 40 dias no deserto tendo se descoberto gay.
É uma obra engraçadíssima, que remete ao genial e precursor “A Vida de Brian” (1979), dos ingleses do Monty Python, e satiriza também outras divindades, como Buda.
A Coalizão pelo Evangelho postou em seu site “dez princípios sobre a relação dos cristãos perante os episódios de Natal da Netflix e Porta dos Fundos”. O de número 3 diz que devemos exaltar a bondade e a beleza em nossa cultura, mas odiar o que é mal. “O verdadeiro amor odeia.” Logo após, o 4 prega haver “diferentes tipos de maldades e graduações de pecados”, sendo a homossexualidade um dos “mais abomináveis”.
Existindo céu e inferno, rogo a Deus a gentileza de, na hora derradeira, me encaixar no lugar exatamente oposto ao reservado para os que comungam de tais concepções.
Há 33 anos —a idade de Cristo, olhe só—, e por muito menos, José Sarney atendeu a uma pressão da Igreja Católica e proibiu a exibição de “Je Vous Salue, Marie”, de Jean-Luc Godard. Foi o último filme censurado no Brasil até a atual onda conservadora. O ano 1 de Bolsonaro ressuscitou o fantasma. O Jesus gay e outros exemplos, porém, mostram que a reação tem sido à altura.