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Os atos golpistas de 8 de janeiro tiveram uma repercussão negativa na sociedade brasileira. Os ataques de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aos prédios dos três Poderes, em Brasília, foram condenados por 93% dos brasileiros, conforme uma pesquisa do Datafolha. No establishment político, a tentativa de reverter ilegalmente o resultado da última eleição presidencial também foi repudiada.
O próprio Bolsonaro, que passou grande parte do mandato de presidente desqualificando as urnas eletrônicas, chegou a condenar os atos dos apoiadores. Na última sexta-feira (27/01), Valdemar da Costa Neto (PL), que comanda o partido do ex-presidente, afirmou à CNN Brasil que “quem quebrou, quem fez alguma coisa de mal, tem que pagar”.
Diante da repulsa ao golpismo de 8 de janeiro, a questão é se o radicalismo político, que incentiva e busca rupturas com outros Poderes, como o Supremo Tribunal Federal (STF), continuará a ter ecos no Legislativo – como ocorreu durante o mandato de Bolsonaro.
Apesar de o ex-presidente ter perdido no segundo turno pelo menor percentual da história, seu partido, o PL, elegeu a maior bancada na Câmara, com 99 parlamentares. No Senado, o partido também tem maioria, com 14 cadeiras. O novo Congresso Nacional toma posse nesta quarta-feira (01/02), em Brasília.
Segundo levantamento do jornal O Globo, pelo menos 29 parlamentares do PL estimularam os atos de 8 de janeiro, com informações falsas, teorias conspiratórias e tentativas de atribuir o golpismo bolsonarista a “infiltrados petistas” ou a uma “vista grossa” do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Entre eles estão Nikolas Ferreira (PL-MG) – deputado mais votado do país, com 1,49 milhão de votos – e Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente.
Para especialistas ouvidas pela DW, ainda é muito cedo para dizer se tanto o PL quanto outros partidos que abrigam parlamentares de extrema direita, como PP, Republicanos e Novo, vão continuar encampando discursos radicais.
Segundo as pesquisadoras, um dos pontos-chave será o destino político de Bolsonaro. O ex-presidente, que durante o mandato insuflou apoiadores contra o STF e usou informações falsas para questionar as urnas eletrônicas, está nos Estados Unidos desde o final do ano passado e é alvo de investigações que podem resultar em sua inelegibilidade ou prisão. Outras questões importantes serão as punições aos participantes do atos golpistas e até mesmo o papel da direita moderada na oposição ao governo Lula.
“Cordão sanitário”
Doutora em ciência política e pesquisadora sênior do Núcleo de Estudo sobre o Congresso da UERJ, Beatriz Rey afirma que um dos pontos principais para que o radicalismo seja contido no Legislativo é a manutenção da frente democrática, que garantiu a vitória de Lula em 2022. O petista agregou partidos de centro e de direita, como MDB e União Brasil, em cargos do primeiro escalão. Lula, no entanto, vem reforçando a narrativa de que o impeachment de Dilma Rousseff (PT) teria sido um golpe, causando atrito justamente com membros do MDB, partido de Michel Temer, que sucedeu a petista.
“Essa frente ampla se fez na arena eleitoral, e estou esperando que ela continue na arena legislativa e do Executivo. Mas uma fala dessas [sobre um golpe contra Dilma] alimenta a base bolsonarista, que a gente chama assim, mas que é de extrema direita”, diz Rey.
Na Alemanha, o partido de ultradireita AfD chegou pela primeira vez ao Parlamento em 2017. No entanto, os outros partidos que compõem o Legislativo alemão agiram para isolar os membros da AfD, que acabou perdendo relevância dentro das questões discutidas na Casa. A sigla não faz parte negociações para formação de coalizões nem tem liderança em comissões parlamentares, por exemplo.
A cientista política Camila Rocha, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), diz que a construção de um “cordão sanitário” na esfera pública pode contribuir para reduzir o radicalismo no Brasil, seja responsabilizando figuras com cargos políticos que utilizem de retórica extremista, seja no próprio isolamento desses atores.
“Não é só prender ou limitar a liberdade de expressão, mas utilizar de outras formas também. Para isso, precisa haver sim um consenso entre pessoas de direita, de centro e de esquerda, comprometidas com a democracia, para que seja feito esse isolamento. Acho que essa é a parte mais difícil”, afirma a autora de Menos Marx, Mais Mises: O Liberalismo e a Nova Direita no Brasil e The Bolsonaro Paradox.
“Extrema direita normalizada no discurso”
Em pesquisas feitas com eleitores de Bolsonaro logo após o 8 de Janeiro, Camila Rocha constatou uma rejeição aos atos golpistas. “Viram aquilo com maus olhos, disseram que foi uma vergonha”, afirma.
Segundo ela, a base da direita radical no país corresponde, atualmente, a 10% do eleitorado. O restante, explica a pesquisadora, é de um contingente de conservadores que votaram em Jair Bolsonaro – e que, no caso de o ex-presidente não disputar eleições, podem direcionar os votos para outro candidato de direita, como o atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), conhecido por ter uma retórica mais moderada.
Rocha afirma que, no entanto, ainda é muito cedo para falar do fim do bolsonarismo, já que o ex-presidente é, pelo menos digitalmente, o político mais influente do Brasil.
“Um dos legados do Bolsonaro para o país foi justamente a conformação de um campo de extrema direita no Brasil. Hoje, a extrema direita no Brasil ficou normalizada no discurso. Isso é preocupante, não só no que esse campo político pode dizer sem ser responsabilizado, mas também de representação no Congresso, nas assembleias legislativas e câmaras municipais”, explica.
Para a cientista política Maria do Socorro Braga, da UFSCAR, apesar da derrota para Lula no segundo turno de 2022, Bolsonaro sai muito forte eleitoralmente, até pela margem de diferença apertada entre os dois.
“Ele sai do governo com quase metade da população o apoiando. O governo atual vai precisar atrair grande parte dessas pessoas. Isso depende da capacidade de governabilidade, das agendas em discussão. É claro que, quantos mais pessoas apoiando o bolsonarismo tiver, mais desmobilizada fica essa radicalização”, afirma Braga, que vê possibilidade de o contrário também acontecer, caso haja fracasso da agenda política do PT. “Quanto pior for o governo em dar conta das agendas sociais, maior as chances de esse radicalismo aumentar.”
Representatividade partidária
Braga, que é coordenadora do Núcleo de Estudo de Partidos Políticos Latino-Americanos (NEPPLA) da UFSCAR, vê o PL e o Republicanos, sigla oriunda do extinto PRB e ligada à Igreja Universal, como os partidos mais próximos de Bolsonaro, pela defesa de pautas morais, seguindo o lema “Deus, pátria, família”. A cientista política, no entanto, também diz que há parlamentares voltados ao radicalismo no PP e também no Novo, que tem no governador de Minas Gerais, Romeu Zema, um dos principais aspirantes a herdar o espólio político do ex-presidente da República.
“Mas essas pessoas que estão em cargos institucionais dependem, seja no nível estadual ou nacional, de fazer política, alianças. Eles precisam de governabilidade, estar ali, em alguma medida, nessa convivência com todos os partidos, acessando os recursos da máquina do governo. Isso pode reduzir esse radicalismo”, afirma.
Rey destaca a falta de controle do ex-presidente sobre seu partido. “Bolsonaro está num partido que tem dono [Valdemar da Costa Neto]. Para sobreviver politicamente, ele tem que fazer acordos com o Valdemar, que não é um político ingênuo e que quer manter o controle do partido que tem. Isso tem consequências: o bolsonarismo não se institucionalizou, tentou fazer um partido e não conseguiu”, explica.
A pesquisadora da UERJ, no entanto, diz que a disputa para a presidência das duas casas será essencial para os movimentos futuros do bolsonarismo. Na Câmara, a candidatura do atual presidente, Arthur Lira (PP-AL), conta com apoio de PL e do PT. Já no Senado, há divisão na disputa entre o atual mandatário, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e Rogério Marinho (PL-RN).
“O PL é a maior bancada, mas não sabemos quem vai ter liderança no partido. Já tivemos a [deputada federal] Bia Kicis na presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Pode ser que tenhamos isso de novo. Aí, há uma tendência a radicalização numa das principais comissões do Congresso”, pontua Rey. Em julho de 2021, Kicis inclusive chegou a postar uma foto ao lado de Beatrix Von Storch, uma das líderes do partido ultradireitista alemão AfD.
Destino de Bolsonaro e do bolsonarismo
Para Maria do Socorro Braga, da UFSCAR, o fracasso da direita tradicional, então liderada pelo PSDB, levou ao recrudescimento da extrema direita no país.
“Temos que ver se a direita tradicional vai fazer uma oposição lateral à extrema direita, assumindo esse espaço”, pontua, lembrando a dificuldade de siglas de direita, como União Brasil, se portarem como oposição justamente por estarem em cargos do governo.
O destino político – e criminal – de Bolsonaro também será crucial, aponta Camila Rocha. “Se o STF acelerar o julgamento contra ele e torná-lo inelegível, isso talvez faça o bolsonarismo retornar a um papel mais ativo e menos reativo”, analisa.
Para Rey, a tendência é que o ex-presidente perca a importância se não for preso. Já Braga, vê a saída de Bolsonaro do Brasil como estratégica. “É uma forma de ele estar lá fora se articulando, de buscar um campo. Não sabemos como essa articulação está se dando”, conclui.
Texto publicado originalmente no portal DW Brasil.