Bernardo Mello e Bruno Rosa / O Globo
RIO — Com um cenário de estagnação econômica, pandemia de Covid-19 e alta de preços de combustíveis e de energia, o debate sobre privatizações passou a ter papel de destaque na pré-campanha presidencial. Enquanto nomes como João Doria (PSDB) e Sergio Moro (Podemos) defendem o enxugamento do Estado, inclusive através da venda de bancos públicos, Lula (PT) e Ciro Gomes (PDT), apesar de divergências entre si, acenam com a reversão de participações do capital privado em empresas públicas. O presidente Jair Bolsonaro (PL), eleito com uma plataforma liberal em 2018, ainda avalia como tratará o tema e qual será o papel na campanha do ministro da Economia, Paulo Guedes, em meio a idas e vindas em projetos de privatização.
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Desde a sucessão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) por Lula no Planalto, há duas décadas, envolta em discursos polarizados sobre maior ou menor participação estatal, o tema tem sido uma das pautas centrais na área econômica, dividindo espaço com a agenda de reformas e o desemprego. Outra vez no foco, o assunto fortalece discursos contrários ao bolsonarismo, na avaliação de assessores econômicos de presidenciáveis.
Bolsonaro, cuja equipe econômica projetava arrecadar até R$ 1 trilhão com desestatizações na campanha de 2018, inicia o quarto ano de governo sem ter vendido nenhuma estatal sob controle direto da União. No último triênio, houve redução de 209 para 158 estatais, em muitos casos graças a incorporações. Para a campanha de 2022, Bolsonaro ainda não definiu se Guedes será novamente responsável pelo programa econômico. O ministro acumula desgastes com o Congresso, e duas das desestatizações que trata como prioridade neste ano, a da Eletrobras e dos Correios, enfrentam resistências políticas e técnicas. Segundo o Valor, o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou uma subavaliação “expressiva” na outorga da estatal de energia, definida em R$ 23,2 bilhões, o que gera novo entrave ao processo.
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Lula e Ciro, que têm feito críticas a privatizações, aproveitaram problemas na gestão Bolsonaro para defender a participação estatal nas empresas. O petista, que usou a estratégia de atacar vendas nas área de mineração e de distribuidoras de energia nos governos FH em campanhas contra o PSDB, em 2002 e 2006, tem visto aliados marcarem posição contra privatizações dos Correios e da Eletrobras.
A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, diz que há risco de o “acionista privado se sobrepor aos brasileiros” em caso de privatizações como da Petrobras. Na campanha de 2006, Lula sugeriu que seu oponente, o tucano Geraldo Alckmin, privatizaria empresas estratégicas e que isso acarretaria perdas. Para afastar temores, Alckmin, hoje cotado como vice de Lula, chegou a posar com um colete repleto de logomarcas de estatais.
— O governo não pode abrir mão de ser majoritário em empresas estratégicas, como Petrobras e Eletrobras. Não há vantagem em vender a empresa se o Estado não vai recuperar o investimento feito. Os Correios também têm um papel importante, chegam a locais afastados— diz Gleisi.
Lula também declarou, na última semana, ser contra a política da Petrobras de paridade de preços com o mercado internacional, mas não detalhou ainda ideias de modelos substitutos. Ciro, outro crítico da “dolarização” do combustível, propõe estipular um parâmetro de “lucro razoável” para a Petrobras, com base na rentabilidade de produtoras de petróleo estrangeiras, para frear altas do combustível.
O economista Nelson Marconi, que assessora o pedetista, diz que ainda há estudos sobre o tamanho da participação do governo nas estatais, e define sua visão de privatizações como “pragmática”. Em entrevista ao GLOBO, Ciro disse que pretende comprar 60% das ações da Petrobras.
— O critério não é ideológico, e sim definir o interesse público. Não somos contrários ao marco do saneamento ou ao marco das ferrovias, por exemplo, apesar de apontarmos alguns ajustes. Em relação à Petrobras, para reduzir sua capacidade ociosa e prepará-la para um futuro de energia limpa, o governo tem de ser majoritário — afirma Marconi.
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Conselheiro econômico de Moro e ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore também argumenta em prol da transição da Petrobras para um modelo que se afaste de combustíveis fósseis. Mas defende que, para isso, “o único caminho correto” é a paridade internacional e o aumento da participação privada na gestão da empresa.
Em entrevistas, Moro tem sugerido privatizar não só a Petrobras, mas também bancos públicos, como a Caixa e o Banco do Brasil.
— Se Lula entendesse de meio ambiente, jamais faria uma proposta de desvincular (preços de combustíveis), porque barateia um emissor de CO2. Olha só para um horizonte curto, da eleição. Em relação aos bancos, é preciso cuidar para o tiro não sair pela culatra. Antes de pensarmos em privatização da Caixa, que entra em projetos sociais, eu pensaria primeiro no Banco do Brasil — avaliou Pastore, com a ressalva de que ainda não debateu o tema com Moro.
Estudos sobre o tema
No caso de Doria, que já declarou ver com bons olhos uma venda da participação do governo no BB, a equipe econômica que atua em sua pré-campanha tem feito estudos sobre a privatização de um dos dois bancos públicos.
— Uma posição discutida é transferir para o BB as políticas públicas e o crédito habitacional e privatizar a Caixa. Pelo fato de o BB já estar no mercado e ter uma governança melhor, embora ainda possa ser aperfeiçoada — afirma o secretário estadual de Fazenda de São Paulo, Henrique Meirelles, que integra a equipe de Doria.
Na avaliação de Meirelles, que disputou a eleição presidencial de 2018 pelo MDB, há hoje uma “menor demonização” de privatizações, devido à noção de que “empresas que custam dinheiro e prestam mau serviço são ruins para o cidadão”. O secretário de Doria confirmou que a equipe avalia a proposta, já veiculada pelo presidenciável, de “fatiar” a Petrobras e privatizá-la em etapas. Meirelles, por outro lado, defende um fundo de estabilização de preços do combustível, ideia também transmitida pela equipe de Ciro. A proposta foi descartada por Bolsonaro e Guedes na PEC dos Combustíveis, que será apresentada ao Congresso e tem o objetivo de permitir a redução de tributos federais.
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Com o dólar acima de R$ 5,30 e o barril do petróleo ultrapassando os US$ 90, o debate sobre a atual política de preços dos combustíveis da Petrobras — que repassa as variações internacionais para o preço da gasolina e diesel vendidos no Brasil — deve ganhar ainda mais espaço entre os pré-candidatos à Presidência. Apesar de o tema gerar discussões entre os diferentes grupos políticos, especialistas do setor e do mercado financeiro são unânimes em defender os reajustes praticados pela estatal em linha com os valores do mercado externo.
Para eles, é preciso que os preços dos combustíveis sejam livres, iniciativa que vem ganhando força desde o governo de Michel Temer. Porém, lembram que uma solução a médio e longo prazos só virá com uma reforma tributária, que prevê a redução de impostos em bens essenciais, e a elaboração de mecanismos, como um fundo, já usado em países da Europa e América do Sul, para compensar a alta do petróleo e do câmbio.
Sem isso, o consumidor do Brasil, dizem os especialistas, ficará à mercê da cotação do barril do petróleo e do câmbio enquanto a tão esperada competição no setor não chega. Desde janeiro de 2021, a Petrobras já reajustou em 77% o preço da gasolina, cujo valor médio do litro passou de R$ 1,83 para R$ 3,24 nas refinarias. Com o diesel, o litro subiu de R$ 2,02 para R$ 3,61, em um avanço foi de 78%.
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Na última semana, o ex-presidente Lula (PT) disse que, se eleito, não manterá o preço do combustível dolarizado. O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) também declarou no fim de janeiro que vai revisar a política de preços da estatal, que classificou como “criminosa”. Por outro lado, o ex-ministro Sergio Moro (Podemos) e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), têm posições a favor da privatização da companhia e de preços livres.
O consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), lembra que o Brasil avançou muito desde 2016 com a política de preços livres dos combustíveis. Pires lembra que, além do preço do petróleo, hoje o maior vilão é o dólar. Por isso, defende a criação de uma política para reduzir a volatilidade dos preços. Para ele, o ideal é se pensar em uma reforma tributária para reduzir a carga fiscal. Lembra ainda que é necessário voltar a discutir um fundo de estabilização, como acontecia no governo de Fernando Henrique:
— Tínhamos a Cide, cujo valor poderia subir ou cair conforme a cotação de dólar e petróleo, de forma a neutralizar essa volatilidade. Mas o PT quando assumiu alterou isso e passou a usar a Cide para outras finalidades. Somente reduzir os impostos federais não vai resolver. Os preços precisam ser livres para atrair investidores. A Petrobras é uma empresa de capital misto. Não se pode ignorar o mercado.
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David Zylbersztajn, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP) no governo FH, também defende a abertura do mercado, com preços livres. Segundo ele, a liberdade nos valores sem subsídios permite aumentar a produtividade da economia e atrair investimentos. Ele lembra que, sem esse cenário, a Petrobras não conseguirá vender refinarias, atraindo mais investimentos privados. Das oito colocadas à venda, a estatal só conseguiu se desfazer de três: a da Bahia, a do Amazonas e uma pequena unidade no Paraná.
— O mercado mais competitivo virá com a privatização do refino. E o preço real vai aparecer. Esse é o passo principal. Hoje, não tem transparência, porque a Petrobras é na prática uma monopolista. Ao subsidiar os preços, é feita uma transferência de renda perversa. O pobre não recebe investimentos em Saúde e Educação em prol de gasolina e diesel mais baratos para os mais ricos — afirmou Zylbersztajn.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, defendeu uma ampla agenda de reformas como forma de reduzir os preços dos combustíveis. Para ele, não adianta segurar os preços ou criar mecanismos como a PEC proposta na última semana (que, além de promover uma desoneração nos impostos federais sobre o diesel e a energia elétrica, cria um “vale” de R$ 1.200 para caminhoneiros e socorre o setor de ônibus urbano):
— A mais rápida e mais eficiente ideia para os combustíveis, por incrível que pareça, seria a aprovação de reformas administrativa e tributária, bem como uma tentativa efetiva de se restabelecer a credibilidade fiscal, visto que houve uma deterioração radical. Isso jogaria o câmbio para baixo, aliviando a paridade de preços da gasolina e do diesel.