Tibério Canuto*, Esquerda Democrática
Artigo de Marco Aurélio Nogueira publicado no Estadão de sábado [ver abaixo “Uma oportunidade a mais”] provocou ira nas brigadas lularianas que poluem as redes sociais. Tudo porque Marco, um cientista político de primeira linha, formado politicamente na boa e velha escola do Partidão, afirmou que Simone poderia qualificar a disputa presidencial, assim como Ciro Gomes. Entendia que essas duas candidaturas poderiam tirar os dois presidenciáveis que lideram as intenções de voto da zona de conforto. Não no sentido de subtrair-lhes o favoritismo para ir ao segundo turno. Mas de levá-los a explicitar seus programas, para além de platitudes, como no meu governo eu fiz isso, fiz aquilo. Não há como negar, há um pacto não escrito e implícito entre os dois para congelar a disputa eleitoral no oceano de obviedades.
Sobraram cobranças para Simone e sobretudo xingatórios e mentiras. Foi acusada de defensora do extermínio do meio ambiente, de índios e de golpista, como se o palanque que Lula está montando só tivesse puros e bons. E ninguém que tivesse apoiado o impeachment de Dilma. Aí vale a lógica, quem hoje está do meu lado, não importa o seu passado. É só elogio. E quem não está do meu lado, eu desconstruo, o transformo em um cão chupando manga.
Nessa visão distorcida que divide a política entre anjos e demônios sobrou até para Milton Lahuerta, outro intelectual respeitado. O conheço desde os tempos da militância no Partidão. Milton não é eleitor de Simone, longe disso. Mas não faz política à base de Fla-Flu e elogiou o artigo de Marco, reproduzindo-o em seu Face. Imediatamente surgiram cobranças a Simone e a ele. A ponto de Milton ter postado em comentário a famosa frase de Ulysses: “política cisca-se para dentro, quem cisca para fora é galinha”. E tem razão. Recomenda-se aos simpatizantes da candidatura Lula pensar no momento seguinte, na hipótese de um segundo turno, onde, por óbvio precisará do apoio de quem ficou de fora. Estigmatizar Simone ou Ciro é ciscar para fora, é inviabilizar possíveis pontes que se farão necessárias.
Já tinha notado a onda “Simonofóbica” desde quando publiquei um post dizendo que fiquei impressionado com seu desempenho na entrevista a Renata Lo Prete. Tanto na minha página como nas redes sociais lularianas choveram impropérios contra a candidata. Não discutiram as ideias programáticas que Simone defendeu na entrevista. Uma velha amiga dos tempos do Partidão, hoje convertida ao credo petista, disse desconfiar da candidata porque desconfia de quem fala manso, insinuando que isso era a prova dos nove de que Simone é falsa.
Uma outra, que conheci nas manifestações do impichi de Dilma. Vestida de amarelo e não dando um pio contra o grito dos manifestantes de “minha bandeira jamais será vermelha”, virou anti-Simone histérica. Esse é o problema de cristão novo. Para purgar seus pecados, renega tudo que fez e vira mais cristão do que Jesus Cristo. Não vou estigmatizá-la por ter mudado a cor de sua camisa. Eu mesmo já mudei de opinião várias vezes na minha vida. Já fui um “revolucionário bravo”, hoje sou um reformista flor de laranjeira. Ela tem o direito de mudar, assim como Geraldo Alckmin tem o de estar no mesmo palanque de Lula, apesar de no passado recente ter afirmado que Lula queria voltar ao lugar do crime, além de ter sido árduo defensor do impichi de Dilma. Ele e um monte de gente que hoje está no palanque de Lula. Mas vão ser renegados por causa disso? Seria uma estupidez.
Política se faz olhando para a frente, pois quem vive de passado é museu. Nada a obstar quanto ao arco que Lula está construindo. Posso achar que ele é insuficiente, ainda é marcadamente uma frente de esquerda, mas não faço a crítica religiosa de que ele se juntou aos “impuros”.
Confesso não entender por que tanto fel contra Simone. Não é pelo fato de ela ter vínculos com o agronegócio. Até porque dos governos petistas participaram Roberto Rodrigues e o então maior produtor de soja do mundo, Blairo Maggi. E o que dizer de Kátia Abreu, que virou amiga de Dilma quando foi ministra da Agricultura? Olha que há pouco tempo Katia ganhou o troféu “motosserra do ano”.
Vamos deixar de cretinice. O agronegócio é positivo para o País, os grãos são os principais produtos da nossa pauta de exportação, geram empregos e impostos. Ele não pode ser tratado como inimigo e nem Lula cometerá tamanho desatino. Agora o que não pode é adotar a hipocrisia de muitos petistas. Xingam o agronegócio no palanque eleitoral, mas buscam seu apoio no escurinho do cinema. Ou Lula não despachou emissários para conversar com eles?
Há agronegócio destruidor do meio ambiente? Há. Mas não é a maioria. Seu polo dinâmico já percebeu que o meio ambiente é um ativo e que a exportação de seus produtos pode ficar comprometida. O capitalismo, meus caros, guia-se pela lógica implacável do lucro, já dizia aquele velho barbudo nascido na Alemanha. Ora, na medida em que a destruição do meio ambiente e o extermínio passam a comprometer seus negócios, eles deixam para trás sua prática predatória. É o que vem acontecendo com a agricultura de fronteiras plenamente estabelecidas, como o centro-oeste. Na entrevista a Renata Lo Prete expressou muito o pensamento desse polo mais avançado. Quem dera se a maioria do agronegócio deixasse de apoiar Bolsonaro e passasse a apoiar a presidenciável do MDB. Isso seria um avanço!
Como candidato nenhum imagina governar de costas para o agronegócio, não é por causa disso que Simone Tebet vem sendo demonizada pelas hostes lularianas. Ninguém chuta cachorro morto, diz o velho e sábio ditado. Ora, se Simone tem apenas 1% nas intenções de voto no Datafolha ou no máximo 3%, segundo o Ideia Data, por que escorre tanto fel pelo canto da boca das brigadas virtuais da candidatura Lula?
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Não é por geração espontânea. Trata-se de uma ação articulada e vejo duas hipóteses não excludentes e complementares como explicação. A primeira é que nos cálculos petistas a candidatura Simone provoca temores no arraial petista. Não no sentido de alterar radicalmente o quadro, mas de ter um potencial de crescimento e de puxar o PT para uma disputa num terreno para o qual o PT não se preparou: o da disputa das ideias. Em sendo assim, é melhor matar essa ameaça logo no matadouro, daí a metralhadora giratória gastar pólvora, chumbo e bala em uma candidatura com apenas 1% das intenções de voto.
A segunda hipótese é o velho cacoete autoritário de querer instituir o pensamento único. No mundo binário, que vem desde o “nós contra eles” pregado por Lula lá em 2006, só existe o bem e o mal, o preto e o vermelho. E não há na política colorações multifacetadas. Eles são a encarnação do bem e quem não adere a eles é a própria encarnação do mal.
Voltando ao artigo de Marco Aurélio. Ele prova que ainda tem intelectuais inteligentes neste País. Parece redundância, mas não é. Num País onde uma Márcia Tiburi diz que quem não votar em Lula no primeiro turno é fascista e a plateia petista ainda aplaude e pede bis, faz bem à nossa alma ter um intelectual de cabeça altiva como Marco. Ele nos inspira a não nos deixarmos intimidar pelas patrulhas ideológicas – de direita ou de esquerda.
*Jornalista