Por que petistas e tucanos não se uniram antes?

Se tivesse dependido apenas de Lula e FHC, aliança já teria ocorrido
Foto: Alexandre Carvalho/A2img
Foto: Alexandre Carvalho/A2img

Cristiano Romero / Valor Econômico

A filiação do ex-governador Geraldo Alckmin ao PSB foi, sem dúvida, o fato político mais relevante da corrida presidencial até agora. O mais incrível foi ver Alckmin, ex-representante da ala conservadora do PSDB, derramar-se em elogios ao ex-presidente Lula (PT).

“É esta a grande causa do Brasil que nos une, que nos irmana, neste momento histórico. Temos que ter os olhos abertos para enxergar, a humildade para entender, que ele [Lula] é hoje o que melhor reflete e interpreta o sentimento de esperança do povo brasileiro”, discursou o ex-tucano, que saiu do PSDB para ser candidato a vice-presidente na chapa de Lula. “Não tenho dúvida de que o presidente Lula, se Deus quiser, eleito, vai reinserir o Brasil no cenário mundial, vai alargar o horizonte do desenvolvimento econômico e vai diminuir essa triste diferença social que nós temos no país.”

Nas redes sociais, além de o acontecimento de ontem ter sido um dos mais vistos e comentados, circularam chistes e piadas de todo tipo, “memes”, como se diz na internet. Apoiadores do petista e do novo “socialista” disseminaram imagens da novidade política. Num dos vídeos, avisa-se, em meio ao som de metralhadoras e antes de mostrar Alckmin discursando, que as cenas são “fortes”, recomenda-se a retirada de crianças da sala e observa-se de que não se trata de obra ficcional. No fim, uma pilhéria que se pretende epígrafe: “No Brasil, inverossímil é a vida e não a arte”.

Para além do gracejo, importa entender o movimento político. Olhando-a em perspectiva, a união Lula-Alckmin, embora não traduza perfeitamente o encontro há muito esperado entre o PT e o PSDB, significa, sim, a aproximação entre essas duas forças da social-democracia brasileira – ainda que o ex-governador de São Paulo seja menos identificado com essa doutrina do que, por exemplo, o senador José Serra (PSDB-SP), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-governador Mário Covas, falecido em 2001.

Petistas e tucanos não estiveram juntos antes por uma razão: disputa do poder. É quando a vaidade (ou veleidade) se sobrepõe à nobreza da compreensão de que, em certos momentos, é preciso abrir mão de interesses pessoais em benefício de algo maior – o destino de 211 milhões de pessoas, a maioria, pobre.

Lula e FHC estiveram politicamente juntos muito antes de disputarem a presidência. Em 1978, o então sindicalista _ o PT foi fundado dois anos depois _ fez campanha para FHC, candidato ao Senado pelo MDB de São Paulo. Em 1984, os dois participaram do movimento “diretas já”, cujo objetivo era eleger, pelo voto popular, o sucessor do último general do regime militar.

Dois anos depois, Lula e FHC, defenderam, na essência, valores da social-democracia durante a formulação da nova Constituição. É verdade que o PT boicotou a cerimônia de homologação da nova Carta Magna. Petistas alegaram que o texto saiu como desejavam a direita e o chamado “centrão” da época. Na ocasião (1988), espalhou-se a informação de que o partido se recusara a assinar o ato de criação da Constituição.

Na verdade, os petistas subscreveram a Carta porque esta foi uma formalidade exigida de todos os constituintes. Mas, o boato manchou a imagem da sigla – o que eles fizeram foi muito pior porque, afinal, significou rejeitar a nova lei fundamental do país, que, apesar de todos os problemas, instituiu como cláusulas pétreas direitos e garantias fundamentais que sustentam o regime democrático e encerram projeto de nação.

Em 1989, na primeira eleição direta para presidente desde 1960, Lula superou Leonel Brizola, do PDT, e foi para o segundo turno. Perdeu para Fernando Collor, mas, ali, deu-se fato histórico que muitos ainda não enxergaram: depois de 59 anos, o getulismo deu lugar ao lulismo como fenômeno dominante da política (governa-se com ou contra esses dois movimentos).

Em várias ocasiões de sua história, o PT optou pelo poder imediato e acabou pagando caro. Em 1992, foi o partido mais atuante na campanha de impeachment de Collor. Quando este caiu, o vice Itamar Franco ameaçou não assumir se não tivesse apoio da maioria das legendas. Presumindo que a gestão Itamar fracassaria e sabendo que a sucessão presidencial ocorreria dali a dois anos, os petistas recusaram-se a apoiar o governo. Desobedecendo a essa ordem, a ex-prefeita Luíza Erundina aceitou convite para ser ministra e, por isso, foi “suspensa” por um ano. Em 1997, deixou o PT e filiou-se ao PSB.

O PT calculou mal o que seria o governo Itamar. Este tinha aliados em praticamente todas as legendas, capital político extraordinário para governar. Se a lógica petista estivesse certa, todos estavam errados, menos o PT. FHC conta que, em 1994, à frente do Plano Real e sabendo que este tinha enorme chance de finalmente acabar com a hiperinflação no Brasil, chamou Lula para uma conversa, na qual enfatizou essa predição e o alertou que o ideal seria os dois estarem juntos politicamente.

Lula consultou Aloízio Mercadante, referência do partido em assuntos econômicos, e este previu que o Real daria errado. Bem, por causa do plano que liderou, FHC ganhou a eleição presidencial de 1994 e de 1998 no 1º turno, tendo Lula como principal desafiante. Mais: desde a volta da eleição direta, FHC foi o único a vencê-la em 1º turno.

Em 2002, o petista, finalmente, ganhou a confiança da maioria dos eleitores e chegou à Presidência. A transição de governo foi a mais civilizada de que se tem notícia e, no exercício do poder, Lula se reaproximou de FHC Um exemplo: antes de participar de encontro com autoridades europeias, em seu primeiro mês no cargo, Lula telefonou a Fernando Henrique para lhe pedir conselho sobre como se posicionar à esperada invasão do Iraque pelos Estados Unidos. Antes, consultou-o sobre as nomeações que planejava fazer.

O fato é que Lula se revelou mais pragmático do que seus apoiadores, principalmente os intelectuais da USP e os remanescentes da guerrilha. Pragmatismo significou, basicamente, adotar e até aperfeiçoar o arcabouço econômico da gestão tucana. Tudo deu certo e pode-se dizer que nunca antes PT e PSDB estiveram tão próximos do ponto de vista programático como no início da primeira gestão petista.

Mas, como no Brasil, nada é simples quanto parece ser, já no primeiro ano de mandato de Lula, seu então ministro da Casa Civil, José Dirceu, começou a falar em “herança maldita”, o que, obviamente, aborreceu FHC sobremaneira. (os outros capítulos da novela PT-PSDB continuam na próxima semana)

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/brasil/coluna/por-que-petistas-e-tucanos-nao-se-uniram-antes.ghtml

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