Luís Costa Pinto: Leilão operado por Moreira Franco é a fatura dos fiadores do impeachment

Programas de privatização precisam decorrer de um propósito. Não é o caso: feirão incinera patrimônio público brasileiro.
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Programas de privatização precisam decorrer de um propósito. Não é o caso: feirão incinera patrimônio público brasileiro

DE SÁDICOS E DE NAJAS ALBINAS
Com o Brasil em liquidação, tendo à venda desde loteria –Lotex, onde a esperança é precificada– até a própria Casa da Moeda –onde se cunha e se imprime o preço de qualquer sonho– urge buscar a gênese de todo o mal. Fazer isso pode acelerar nosso processo de expiação de pecados e tornar menos árdua a autocrítica de cada cidadão em busca do seu naco de culpa em todo o processo que devasta a Nação, confisca a esperança e semeia ódios. Levado a cabo, pode se tornar uma catarse histórica.

Em sua página no Facebook, o filósofo e ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro propõe um roteiro para que se inicie uma investigação acadêmica em torno do tema. O desafio é valoroso. Ei-lo (e sugestões podem ser encaminhadas no link que deságua na página de RJR):

“Roteiro para uma pesquisa essencial de História: saber como se montou o impeachment. Isso até agora não saiu.
Especificamente:

  • Em que momento Michel Temer decidiu que queria ser presidente? Foi antes de sua declaração (ago/2015) de que alguém precisava unificar o País? O que o levou a tomar essa decisão?
  • Quais grupos se formaram para articular o impeachment? Devem ter sido vários. Os principais protagonistas devem ter ficado longe das articulações, para não se exporem. Como isso se fez? (Único depoimento que conheço, o do deputado Heráclito Fortes, que disse que se reuniram durante um ano em sua casa vários articuladores).
  • Que tentativas houve de negociação entre PT e PSDB para evitar o impeachment? Quem quis negociar, quem não quis? Quais condições foram apresentadas de parte a parte?
    Nada disso é para insultar ou xingar. São questões que precisarão ser apuradas para se fazer a história desse momento tão difícil do País”.

Sugiro que a investigação comece dando a Wellington Moreira Franco o cetro de conspirador-mor. Ele o merece. Não se deve imaginar um cetro imperial, talhado em jacarandá e adornado por ouro e pedras preciosas. Não. Moreira contentar-se-ia com um cabo de vassoura adornado por cachos de bananas e retroses azuis. O retrós lembra diamantes, mas de tão barato termina sendo usado para adornar olhos de bonecas. Cetros tropicalizados, acessíveis assim, são mais compatíveis com o saldão de patrimônio público idealizado, lançado, administrado e cultuado pelo ministro-chefe da Secretaria de Governo. É dele a curadoria do PPI (Programa de Parcerias e Investimentos) onde se faz o escambo do Brasil.

Não deve haver prevenção alguma a programas de privatização. Mas eles precisam decorrer de um propósito. Têm de fazer sentido, de se encaixar em macroplanejamentos. E é recomendável que não prescindam de estratégias essenciais de conservação do controle público (não confundir com estatal) do objeto privatizado ou concedido.

Tais princípios norteavam a cabeça de Sérgio Motta, o ministro da Comunicações de Fernando Henrique Cardoso que iniciou o processo de privatização da área de telecomunicações e idealizou o modelo brasileiro de agências reguladoras. Motta, um tucano de espírito público e alma maior que seu corpanzil, vislumbrava um país com não mais do que 12 ou 14 ministérios na Esplanada e uma miríade de agências trabalhando coordenadamente sob o poder regulador do Estado e com o dedo no pulso dos cidadãos.

Como homem de máquinas políticas –partidárias ou clandestinas, pois foi um dos fundadores do PSDB e antes havia sido um dos grandes mantenedores da esquerda católica na resistência à ditadura, inclusive na clandestinidade– Serjão teve seus pecados. Mas eram veniais. Dele para cá, e mesmo durante o reinado do PSDB na Esplanada, as faltas foram se agravando e a regra agora é cometer pecados mortais. Incinerar patrimônio público como se queima palha de bananeira em fim de feira, como se faz hoje, não é só loucura. É crime. No papel dado a Sérgio Motta está Moreira Franco.

Venenoso qual uma naja albina, Franco lançou os primeiros acordes da conspiração para tomar o Palácio do Planalto quando recebeu a notícia de que não mais seria “ministro-chefe” da Secretaria de Aviação Civil no segundo mandato de Dilma Rousseff. Inventou a “Ponte para o Futuro”, rebatizada depois de “pinguela” pela verve de Fernando Henrique Cardoso, encomendou a Delfim Netto a redação final do texto, contratou o MBL (Movimento Brasil Livre), Alexandre Frota e outros malucos semelhantes para chacrinar a cena política e vendeu a República como se não houvesse amanhã.

O dia seguinte chegou, somos contemporâneos desse inferno, e os agiotas que providenciaram os exércitos mercenários pró-impeachment cobram seus preços e os juros altos do golpe institucional. Estão a pagá-lo. Moreira Franco é o guarda-livros da bodega, aceita transformar o Brasil numa boca de fumo em que toca o negócio quem impõe mais força para cima e subjuga mais sadicamente o povo para baixo.

Investigado por suspeita de operações junto ao Fundo de Investimentos do FGTS, ameaçado pelas delações premiadas do doleiro Lúcio Funaro e do presidiário Eduardo Cunha, de quem foi sócio em todo esse processo de liquidação do Estado brasileiro, e delatado por executivo da Odebrecht por ter pedido propina no processo de privatização do aeroporto do Galeão, o secretário-geral do Planalto encontra tempo para se converter num dos maiores fofoqueiros de Brasília. É considerado por repórteres fonte ferina, apesar de pouco confiável, das rotinas palacianas. Tem mandato para dialogar com as direções de grandes veículos de comunicação. Manda na verba publicitária do governo federal –e sabe o poder que advém disso: unindo órgãos ministeriais, Palácio do Planalto e estatais a soma bate R$ 2,1 bilhões.

José Sarney foi o último presidente da República que enxergou em Moreira Franco conselheiro digno de ser ouvido (nos anos FHC ele era deputado federal e integrava a 2ª divisão dos interlocutores palacianos. Não tinha voo próprio no Planalto. Navegava nas asas de Luís Eduardo Magalhães). Em 1987, quando a comitiva de Sarney visitava o Paço Imperial no Rio de Janeiro e Franco era governador do Estado, o comboio com ambos foi apedrejado por estudantes e funcionários públicos. Começava o ocaso de uma administração que se arrastaria por mais 3 anos e deixaria saldo devastador para a História. Não é necessário esperar outros 30 anos para concluir quem vem a ser o homem-bomba a implodir as estruturas nacionais unindo os vértices de nossas depressões econômicas nos gráficos que fotografam as derrocadas. Há o vértice M e o F.

* Luís Costa Pinto, 48 anos, trabalhou em publicações como Veja, Folha e O Globo. Teve livros e reportagens premiadas –por exemplo, “Pedro Collor conta tudo”. É sócio da consultoria Idéias, Fatos e Texto.

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