Perdas e ganhos: Temer-Dodge na noite do Jaburu

Quem ganha, quem perde? Na base desta questão, bem ao estilo do noticiário político e das colunas de bastidores do começo dos anos 70, (quando ingressei no Jornal do Brasil, via sucursal de Salvador), giram nesta semana, de agosto de 2017, as avaliações sobre o mais recente, polêmico e surpreendente fato produzido no ninho de espantos e assombrações em que vai se transformando o palácio presidencial do Jaburu, em Brasília: o encontro na calada da noite, fora de agenda, entre o atual mandatário, Michel Temer, e a procuradora de Justiça, Raquel Dodge, escolhida para assumir, mês que vem, o comando da Procuradoria Geral da República – um dos postos mais cruciais e sensíveis no esforço para investigar, julgar e punir corruptos e corruptores no País - ; no lugar de Rodrigo Janot, que se despede entre tiros e flechadas. À favor e contra.
Foto: Lula Marques/AGPT
Foto: Lula Marques/AGPT

Quem ganha, quem perde? Na base desta questão, bem ao estilo do noticiário político e das colunas de bastidores do começo dos anos 70, (quando ingressei no Jornal do Brasil, via sucursal de Salvador), giram nesta semana, de agosto de 2017, as avaliações sobre o mais recente, polêmico e surpreendente fato produzido no ninho de espantos e assombrações em que vai se transformando o palácio presidencial do Jaburu, em Brasília: o encontro na calada da noite, fora de agenda, entre o atual mandatário, Michel Temer, e a procuradora de Justiça, Raquel Dodge, escolhida para assumir, mês que vem, o comando da Procuradoria Geral da República – um dos postos mais cruciais e sensíveis no esforço para investigar, julgar e punir corruptos e corruptores no País – ; no lugar de Rodrigo Janot, que se despede entre tiros e flechadas. À favor e contra.

Anos depois, quando assumi a chefia da sucursal da VEJA para a Bahia e Sergipe, circulava na sede da mais importante revista semanal brasileira, em São Paulo, uma expressão bem própria para definir, a partir dos signos da comunicação e do poder, as perdas e danos nas biografias de personagens envolvidos em escândalos ou situações constrangedoras, decorrentes de passos em falso deste tipo, envolvendo ministros, figurões de alto coturno do serviço público, togados da justiça, parlamentares e governantes: “Subiu para baixo”.

No caso do presidente Temer – séria e profundamente enrolado, jurídica e moralmente, nos efeitos devastadores da conversa gravada pelo empresário Joesley Batista nos desvãos do mesmo palácio, recentemente – as dúvidas são maiores e fica mais difícil uma avaliação mais segura de qualquer analista, as perdas e ganhos neste episódio. Salvo, evidentemente, os arautos de encomenda da corte, ou os que ainda acreditam em Papai Noel, ou pensam que “o céu é perto”, como ouvia minha saudosa mãe dizer desde a infância, nas barrancas do São Francisco, o rio da minha aldeia.

Anda tão baixo o conceito do mandatário na avaliação da sociedade (as pesquisas de opinião deixam isso cada dia mais evidente), que fica quase impossível saber quanto o encontro desta semana, na noite do Jaburu, pode ter contribuído para fazer descer ainda mais o reduzido índice de prestígio e a escassa credibilidade do principal ocupante do palácio cercado de dúvidas e suspeitas.

Quanto à harvardiana Raquel Dodge, ungida pelo mandatário para ocupar o lugar de Janot – eleito inimigo número um pelo próprio presidente apanhado em flagrante delito criminal em pleno exercício do mandato, segundo denúncia da PGR barrada temporariamente pela Câmara- , o estrago é indubitavelmente devastador. No caso desta desgraçada tentativa de demonstração de controle e poder (que se pretendia manter submersa na sombra palaciana, sabe-se lá a conselho de quem), cabe com perfeição a constatação do conceito jornalístico citado no segundo parágrafo deste artigo: a futura chefe da PGR “subiu para baixo”. A conferir.

Mas, diga-se a bem da verdade, não há apenas perdedores, a exemplo dos dois principais personagens citados, que se meteram desgraçadamente nesta historia nada exemplar para a já combalida vida republicana nos dias que correm no Brasil. Há. Igualmente, meritórios vencedores neste caso.

O maior deles, a imprensa livre e democrática que felizmente ainda se pratica por estas bandas de baixo da linha do Equador. Trocando em miúdos, não se trata aqui de mera conquista conceitual ou retórica, mas envolve, igualmente, personagens de carne e osso, profissionais que merecem referência, destaque e aplausos. Prêmios também, quem sabe?

Por exemplo: o cinegrafista Wilson de Souza, da TV Globo. É dele o registro do flagrante implacável desta semana, na terça-feira, 8. As lentes potentes da câmera, sob seu atento e ágil comando, focalizou com notável nitidez (dá até para ver o número da placa) o estacionamento do carro oficial nas imediações do corredor arborizado (passarela?) da entrada do Jaburu. Do automóvel, desce a futura procuradora geral da República. Passos apressados, de quem parece estar fugindo de olhos curiosos ou perguntas incômodas, ela caminha para o encontro com Michel Temer, o mandatário inimigo de Janot, às 22 horas.

As imagens vistas na noite seguinte, no Jornal Nacional, são dessas de entendimento imediato e impacto fulminante. Dispensam comentários ou explicações. Principalmente aquelas, saídas apressadamente da cachola de assessores oficiais, jornalista chapa branca ou conselheiros palacianos que imaginam ser a sociedade brasileira formada por idiotas ou “abestalhados”, para usar o linguajar dos soteropolitanos. Ainda assim, tanto o Planalto quanto a procuradora afirmam, oficialmente, que o encontro noturno na residência presidencial foi só para uma conversa sobre a posse da futura chefe da PGR, marcada para daqui a quase 40 dias.

Aqui, mais uma vez, entra em campo o jornalismo preocupado com “Sua Excelência, o Fato”, no dizer de Charles de Gaulle, que Ulysses Guimarães gostava de repetir. A incansável e atenta repórter Andréia Sadi revelou, em seu blog, do G1, que houve pelo menos mais um assunto tratado no encontro: “Temer fez para Raquel Dodge um relato dos motivos que o levaram a pedir a suspeição do procurador geral Rodrigo Janot, ao Supremo, na terça, e seu embasamento jurídico”.

Além disso, a jornalista conta ainda, “que o presidente quer que Raquel Dodge tome posse no Palácio do Planalto como gesto simbólico da reaproximação institucional do Executivo com o Ministério Público”. E o mandatário quer, também, a solenidade de posse realizada de manhã cedo, porque na tarde do mesmo dia ele tem viagem marcada para os Estados Unidos, onde discursará na cerimônia de abertura da Assembleia Geral anual da ONU.

Eis mais um episódio da crítica realidade da política e do exercício do poder no Brasil, a cobrir de razão os historiadores e pensadores que identificam e apontam a histórica e profunda ligação entre a pólvora e a imprensa. No caso deste estranho encontro Temer – Dodge, tem muita pólvora e fumaça no meio. Mas o mérito maior, até aqui, é do jornalismo na busca da verdade. Viva!

Por Vitor Hugo Soares, jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta.

 

 

 

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