Pedro S. Malan: Previdência e segurança – o peso do passado

Da resistência às reformas indispensáveis para que o País cresça de forma sustentada.
Foto: Antonio Cruz/ (Arquivo) Agência Brasil
Foto: Antonio Cruz/ (Arquivo) Agência Brasil

Da resistência às reformas indispensáveis para que o País cresça de forma sustentada

“Os homens fazem sua própria história. Não como bem a entendem, não em circunstâncias por eles escolhidas, mas sob condições dadas e transmitidas pelo passado” Marx, 1852

Nosso passado mostra que nunca se deve subestimar a tendência do público de reivindicar, ao mesmo tempo, impostos baixos e governo grande. E tampouco a capacidade de políticos de atender a essas reivindicações dissimulando a conta e/ou endividando as gerações futuras. É a “tributação dos ausentes”, na feliz expressão de Gustavo Franco.

Este artigo comenta dois casos exemplares, ainda que não raros, de resistência às reformas indispensáveis para que o País possa crescer de forma sustentada, sem o risco de recaídas nas recorrentes armadilhas que armamos, por ações e omissões do governo e/ou da sociedade.

O primeiro são as longas idas e vindas sobre a votação da reforma da Previdência. Trata-se de uma dentre várias reformas que teremos que fazer um dia. Os custos da procrastinação – em termos de crescimento, renda, emprego e percepção de investidores sobre finanças públicas – serão crescentes, para um País que almeja tornar-se rico antes de tornar-se velho. O sistema atual é insustentável – é o que não podem ignorar as pessoas de boa-fé, dotadas de honestidade intelectual, espírito público e algum interesse pela evidência empírica disponível. A população brasileira cresce a uma taxa, declinante, de 0,7% ao ano. A população de aposentados, por sua vez, aumenta a uma taxa, crescente, cinco vezes maior. A reforma é urgente.

A versão da reforma que se encontra na Câmara, deliberadamente diluída em busca de alguma chance de aprovação, afeta menos de 35% dos trabalhadores; os demais 65% teriam seus “direitos” preservados. O déficit do Regime Geral da Previdência, que atende quase 30 milhões de brasileiros, é hoje de R$ 178 bilhões – cerca de R$ 6 mil por aposentado. Já o déficit do Regime dos Servidores Públicos – 1 milhão de pessoas e cerca de R$ 78 mil por pessoa – é cerca de 13 (treze) vezes superior. A reforma é uma questão de menor regressividade na distribuição de renda – de justiça social.

Em 2018 os gastos com a Previdência deverão crescer R$ 36 bilhões com relação a 2017. Outros gastos primários terão de ser reduzidos – em áreas-chave como educação, saúde, ciência, cultura e … segurança pública.

O segundo exemplo que este artigo comenta tem que ver precisamente com essa área: segurança. Há quase dez anos, o livro intitulado É Possível apontou a viabilidade da redução expressiva da violência armada, da insegurança e da criminalidade que aterrorizavam populações de grandes áreas urbanas do Brasil. É de minha autoria o texto da quarta contracapa do livro.

“… não é, nunca foi e jamais será fácil envolver as comunidades, os três níveis do Executivo, o Judiciário, o Legislativo e o Ministério Público em ações estratégicas que se mantenham ao longo do tempo: políticas de Estado e não de governos de turno. Sabem também da importância crucial, em quaisquer ações estratégicas, do grau de preparo, profissionalismo, treinamento, capacidade de processar informações e, principalmente, integridade e eficácia das polícias, por meio dos quais um Estado legalmente constituído exerce o que deveria ser – em nosso caso, não o é – o monopólio do uso da violência armada.

Hoje, o poder do Estado em muitas áreas urbanas do País é, de facto, contestado pela bandidagem criminosa, o verdadeiro ‘poder do lugar’ em muitas comunidades e espaços que deveriam ser públicos. A retomada, mesmo gradual, de territórios e espaços urbanos ocupados pela bandidagem armada é, portanto, condição necessária, mas não suficiente, para a redução expressiva de nossos ainda alarmantes indicadores de violência e insegurança urbana. Se você não pretende deixar-se levar pelo desencanto, pela frustração, pelo ceticismo e pela desesperança, leia este livro. Entenderá, com base em experiências reais, que é possível, sem ilusões voluntaristas, apelos messiânicos e excessos e abusos no exercício da autoridade do Estado, mostrar aos bandidos armados que essa é uma longa guerra de muitas batalhas, mas que, ao fim e ao cabo, eles não só não podem ganhá-la, como a estão perdendo – e a perderão.”

Reproduzo esse texto pelas seguintes razões. Primeiro, porque para muitos cariocas a situação na área de segurança pública é hoje muito pior do que então. Nesse sentido, o título do livro e as últimas palavras reproduzidas acima refletiriam esperanças insensatas. Não penso assim – embora deva confessar que ao escrever “e a perderão” deveria ter adicionado “talvez, um dia”.

Segundo, e mais importante, o argumento subjacente ao primeiro dos parágrafos reproduzidos continua válido, e não apenas para a área de segurança pública, mas para a maioria das políticas públicas: ações de Estado, e não do governo do dia. Não apenas do Executivo, mas também dos outros Poderes.

Terceiro, porque nunca será demais recordar: o bom combate não é contra o Estado, é contra certas formas espúrias de sua apropriação, de aparelhamento da máquina pública e de uso indevido das instrumentalidades do poder para o benefício de partidos políticos, grupos de interesse e/ou enriquecimento pessoal.

A “falência” da segurança pública no Rio é apenas uma das várias facetas da falência múltipla – econômico-financeira, política, e ética – de certos membros dos Poderes Executivo e Legislativo do Estado do Rio. Há muitas lições a aprender. A bandidagem desarmada pode ser tão letal quanto a bandidagem armada, em termos da corrosão do “capital cívico” de um país.

“A sobrevivência da democracia depende da habilidade de um amplo número de pessoas fazer escolhas realistas com base em informações adequadas”, escreveu Aldous Huxley em 1958, revisitando seu clássico Admirável Mundo Novo (1932). Sábias palavras. Parece óbvio. Mas não é. E precisa ser reiterado. Não exclusivamente em ocasiões eleitorais.

Um bom 2018 a todos!

*Economista, foi ministro da fazenda no governo FHC.

 

 

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