Hoje, a organização parece uma rede de informação sobre boas políticas públicas
O Brasil entra nesta década com a expectativa de ingressar na OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Nos últimos dias, um de seus diretores pontuou que o ingresso é questão de tempo, e o governo brasileiro afirmou que espera para este 2021 a carta-convite da organização. Em dezembro, a OCDE lançou seu relatório bienal sobre o Brasil – uma competente análise do País que também permite nos comparar com seus 37 países-membros, a maioria de elevado desenvolvimento humano. O que fazemos diferente deles?
Em primeiro lugar, é preciso desmistificar a OCDE como o “clube dos países ricos”. Em décadas recentes, a organização se abriu para países do Leste Europeu, dos Bálticos e da América Latina. O México aderiu em 1994, o Chile em 2010 e a Colômbia em 2020 – a Costa Rica já foi convidada. A entidade parece hoje fundamentalmente uma rede de informação sobre boas políticas públicas. Embora tachada de neoliberal em alguns círculos da academia brasileira, suas (muitas) publicações tratam da inclusão social à mudança climática.
Voltando então ao exercício proposto: como a atuação do Estado brasileiro se compara com a dos países da OCDE?
O gasto do governo está em linha com a média do bloco (há muitos países que gastam mais, há muitos países que gastam menos). Mas a composição do gasto – e da arrecadação de tributos que o financia – destoa. O gasto com servidores é maior no Brasil. Em especial, é bem maior o prêmio salarial no serviço público (diferença da remuneração em relação a trabalhadores da iniciativa privada) – principalmente para os servidores federais.
Na composição da carga tributária, na OCDE a tributação direta é maior: em geral tributamos menos a renda e mais o consumo de produtos. Mas o que o relatório da OCDE chama mesmo a atenção é para o aumento ocorrido em anos recentes do gasto tributário no Brasil (renúncia de impostos). A entidade aponta que parte dessas vantagens a contribuintes que deixam de pagar a totalidade dos impostos seria regressiva (beneficia os mais ricos) e deletéria à produtividade da economia. Sugere, assim, que o Brasil promova uma reforma tributária para tornar nosso sistema mais justo e impulsionar a produtividade.
Ainda quanto à produtividade, os países da OCDE são claramente mais abertos ao comércio internacional, e praticam tarifas médias de importação bem menores. As barreiras no mercado de bens também são maiores no tocante à regulação por aqui: no indicador da entidade que mede exigências regulatórias, as nossas parecem excessivas na comparação. As barreiras protegeriam empresas de competição e limitariam o crescimento do PIB do País – além de prejudicarem o poder de compra dos mais pobres.
Já em outras áreas, parece faltar atuação do Estado. Consideremos a mobilidade intergeracional. Aqui se levariam nove gerações para que os descendentes de um cidadão que nasceu entre os 10% mais pobres chegasse à renda mediana do País (em média). Nos países nórdicos do grupo, são até três gerações. O hiato salarial entre homens e mulheres estaria bem acima da média do grupo (quatro vezes maior que o de países como Bélgica e Dinamarca). E patinamos nas chamadas políticas ativas de emprego (treinamento, intermediação de mão de obra) – muito mais robustas naqueles países.
A pobreza é naturalmente maior no Brasil, mas chama a atenção a sua distribuição entre diferentes grupos etários: ela se concentra muito mais nas crianças no Brasil do que na OCDE, que, por sua vez, desprotege mais os idosos. De fato, muitos países ali pagam benefícios para famílias com crianças, universais ou semiuniversais. Já a despesa brasileira com educação não é destoante, mas a sua capacidade de alcançar resultados é.
Ainda, a OCDE é pioneira na avaliação do bem-estar subjetivo das populações, com medida que se aproxima de uma quantificação de “felicidade” – talvez uma alternativa ao PIB como indicador de progresso. O Brasil não vai especialmente bem em nenhum dos componentes pesquisados e seria o pior do grupo quanto à segurança dos cidadãos.
Entrar no “clube dos países ricos” não vai deixar o Brasil rico. Tampouco há uma fórmula de sucesso na organização: mesmo os dados aqui expostos se referem a médias, que em alguns casos escondem grande diversidade entre os membros. Contudo, o ingresso na OCDE pode ajudar o Brasil a paulatinamente incorporar boas práticas em diversas áreas: fica a expectativa do aprendizado de como os países de maior desenvolvimento humano chegaram lá.
*DOUTOR EM ECONOMIA