Negros têm probabilidade maior tanto de morte quanto de internação do que brancos
A campanha de vacinação se iniciou pelos idosos, com taxas maiores de mortalidade. Estudos recentes para o Brasil têm mostrado que há outro grupo demográfico mais tendente a morrer de covid, bem como de se infectar e também de perder renda na pandemia. Se concordássemos em priorizá-lo na imunização, estaríamos falando de vacinar primeiro a população negra.
Aceito recentemente para publicação no periódico BMJ Global Health, um estudo de pesquisadores brasileiros e estrangeiros promove uma detalhada descrição das diferenças sociais e raciais na pandemia (Li et al., 2021). De instituições como o Ipea e as Universidades de São Paulo e Oxford, a pesquisa faz uso de uma informação que só está disponível para os pacientes do Estado de São Paulo: o CEP. Assim, foi possível combinar o dado com outras pesquisas com informações espaciais.
Indivíduos de áreas mais pobres chegam a ter probabilidade 60% maior de morte do que aquelas de áreas mais ricas (que predominam nas internações no início da pandemia, mas não depois). E negros têm probabilidade maior tanto de morte quanto de internação do que brancos.
Parte da diferença parece associada ao tipo de hospital do paciente (público x privado), mas não toda. Negros apresentam maior probabilidade de morrer mesmo nos hospitais particulares.
A versão definitiva do trabalho ainda não está disponível, mas um pré-print foi publicado em dezembro e explicado por um dos principais autores – o economista Rafael Pereira, craque do Ipea em estudos espaciais: “A vulnerabilidade à covid-19 é fortemente moldada por diferenças de saúde preexistentes na incidência de comorbidades e por condições socioeconômicas, que afetam a capacidade dos indivíduos aderirem ao distanciamento social e a intervenções não farmacológicas, e acessarem serviços de saúde”.
A população negra e aqueles com menor nível educacional são mais afetados por se ocuparem mais em trabalhos com contato face a face com outros. Enquanto isso, brancos têm maior probabilidade de estarem em teletrabalho.
Assim, não é surpreendente também que os dados de telefones celulares na capital paulista indiquem que são nos bairros de maior população branca que há maior adesão ao isolamento social, que também dura por mais tempo nesses casos.
Por sua vez, a evidência de presença de anticorpos em doadores de sangue – mais um tema do estudo – parece confirmar uma taxa maior de contágio entre a população negra. Já outra pesquisa, do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da USP, mostra que a mulher negra é mais vulnerável à perda de renda na pandemia (Fares et al., 2021). Homens brancos perdem menos.
Passada a vacinação de idosos, não parece haver um critério consistente para a continuação da campanha. Grupos organizados têm conseguido prioridade, e em vários lugares vemos sendo vacinados jovens pouco expostos, apenas porque possuem nível superior em áreas como educação física, nutrição, veterinária ou psicologia – pegando carona na vacinação dos profissionais de saúde da linha de frente.
A prioridade para idades mais altas funcionou como um critério simples razoavelmente bem alinhado com os riscos da pandemia. Com o avanço da campanha, com as novas variantes e com as evidências existentes, faz sentido pensarmos em outro? Ou as prioridades vão ser dominadas pelos lobbies das carteirinhas, em prejuízo dos expostos que não podem ser organizados por conselhos ou associações?
Se negros perdem mais renda com as medidas sanitárias, se estão mais expostos ao contágio pelas diversas razões listadas e se correm maior risco de morte, não é absurdo pensar que essa parte da população seja prioridade – ainda que haja sobreposição entre baixa renda e raça nas vulnerabilidades na pandemia. A precedência para a população negra chegou a ser defendida nos EUA por Melinda Gates.
É ideal um homem de 40 anos em teletrabalho ser vacinado antes de um entregador de 25 anos? A alocação inteligente das vacinas pode reduzir mais rapidamente tanto o contágio quanto as mortes, assim como as taxas de pobreza. Devemos buscar vacinar os vulneráveis primeiro.
*DOUTOR EM ECONOMIA