Com o envelhecimento da população, é preciso pensar em formas de financiar o SUS
Pedro Fernando Nery / O Estado de S. Paulo
Neste mês, comemoramos o aniversário do Sistema Único de Saúde (SUS). Sua contribuição na resposta à pandemia fez muitos levantarem os lemas #DefendaOSUS ou #VivaOSUS, populares nas postagens de vacinação. Mas, para além das hashtags que sinalizam virtude, o que significa defendê-lo? Se normalmente se evocam como ameaças o fantasma do fim de gratuidade ou a participação do setor privado (que já é abundante no sistema), há um desafio muito mais concreto: o envelhecimento da população. O custo de um sistema já deficiente irá estourar: como arranjar os recursos para defendê-lo?
É um elefante na sala que ainda não debatemos enquanto sociedade. O Brasil é um dos países que envelhecem mais rapidamente no mundo, como mostram as projeções de medidas como a idade mediana da população ou a taxa de idosos. A desgraça da pandemia representa uma óbvia exceção, mas em breve a tendência deve retornar: cada vez menos crianças nascendo de um lado, e idosos vivendo mais.
Esta grande conquista, fruto do avanço da medicina e do próprio SUS, pressiona políticas públicas cujo financiamento foi pensado em um outro Brasil. Com menos jovens entrando na força de trabalho, temos menos contribuintes para gerar os recursos utilizados na Previdência ou no SUS, ambos demandados em especial pelos idosos.
Segundo as Nações Unidas, a proporção de idosos na população brasileira irá quadruplicar de 7% para 28% em apenas 50 anos (entre 2010 e 2060). Em outros países, esse processo será muito mais longo, tanto porque começaram a envelhecer primeiro, quanto porque vão envelhecer mais devagar do que o Brasil – que não conta, por exemplo, com fluxos imigratórios relevantes. A ONU estima que França e Suécia levarão quatro vezes mais tempo: 200 anos para quadruplicar a população de idosos de 7% para 28%. Para EUA e Reino Unido, a estimativa é superior a 150 anos.
Doenças cardiovasculares já são a principal causa de morte no Brasil e em vários países. Com uma população mais idosa, a incidência desse tipo de doença irá aumentar. Com ela, a demanda por serviços do SUS. O Brasil caminha para ser um País de cardíacos.
Economistas chamam de “imposto do pecado” (sin tax) uma possível solução. Esse imposto serviria para desencorajar o consumo de certos produtos, ao torná-los mais caros. Entende-se que esse consumo traz custos não pagos apenas pelo consumidor direto, recaindo sobre o conjunto da sociedade (por exemplo, onerando um sistema de saúde gratuito e universal). Além de álcool e cigarros, modernamente se fala em imposto do pecado para produtos com alto teor de açúcares e gordura. Esses produtos seriam caros demais para a saúde pública para serem baratos para o consumidor.
Há certa ambiguidade no objetivo: reduzir a demanda pelos produtos (reduzindo também o custo para a saúde pública lá na frente) ou arrecadar mais para custear o sistema. No início do governo, o ministro Paulo Guedes defendia a inclusão do imposto do pecado na reforma tributária. Já que o esforço em muitas propostas de reforma é de unificar a alíquota de todos os produtos e serviços da economia, exceções seriam abertas nesses casos – por exemplo, para que a alíquota seja menor na venda de uma bicicleta do que na venda de uma cerveja.
Dificilmente, porém, o imposto do pecado tem potencial para reduzir de forma significativa a demanda ou aumentar a arrecadação, a não ser que sua alíquota seja proibitiva. Tende a afetar mais os pobres e gerar reação da indústria e do comércio. Intervenções mais atuais apontam para “nudges”, medidas sem custo e que, com base na psicologia, tentam induzir o consumidor a fazer melhores escolhas (por exemplo, diminuindo a visibilidade de alguns produtos no supermercado ou reduzindo tamanho de pratos). O impacto também parece limitado.
Dificilmente escaparemos de redução em outras despesas ou aumento em tributos para fazer frente a esta gradual nova realidade, mas ela deveria poder ser atenuada. O #DefendaOSUS precisa deixar de ser festivo e evoluir para uma discussão madura sobre como empreender a grande ousadia de disponibilizar saúde gratuita a todos em um País de renda média que envelhece.
Amanhã é o Dia Mundial do Coração.
*Doutor em economia