A PEC paralela repete a bem-sucedida tramitação da reforma da Previdência do funcionalismo no governo Lula
A reforma da Previdência não acabou. Continuam em tramitação no Congresso Nacional proposições “satélites”, sejam enviadas pelo governo ou iniciadas pelo Parlamento. A principal delas é a PEC paralela, que facilita a adesão de Estados e municípios à reforma: com ela, o impacto da reforma da Previdência para as finanças do Estado brasileiro iria bem além do R$ 1 trilhão.
A PEC paralela repete a bem-sucedida tramitação da reforma da Previdência do funcionalismo no governo Lula. A Proposta de Emenda à Constituição é paralela porque foi criada, no Senado, concomitantemente à PEC principal da reforma. É um mecanismo de “economia legislativa”: permite que o Senado altere trechos da PEC principal sem fazer o todo voltar à Câmara, o que atrasaria em meses a promulgação da parte principal, a parte que ambas as Casas já concordaram. Com a PEC paralela, volta à Câmara somente o que é modificado.
E o que é modificado? Principalmente, as regras válidas para Estados e municípios. Até a reforma, as aposentadorias e pensões desses servidores eram regidas pela Constituição, como a dos federais. Na reforma, a Câmara passou essa atribuição aos Estados e municípios. Se o arranjo pode ter facilitado a expressiva votação que a reforma recebeu, dificultou o ajuste nos Estados. E eles podem quebrar.
Com a reforma aprovada, o Estado ou município que quiser aderir às regras válidas para servidores federais precisa de um pacote e votar diversas medidas no Legislativo local. A depender do tema, precisa-se de uma emenda à Constituição estadual ou lei orgânica, uma lei complementar ou de uma lei ordinária. Para governadores ou prefeitos com pouco apoio no Legislativo, as tarefas podem ser hercúleas demais, diante da proximidade de grupos organizados que pressionam contra, do calendário com eleições locais em 2020 e da falta de tradição de tratar do tema – complexo. A reforma aprovada também dificultaria o aumento de alíquotas de contribuição nesses entes.
Se não conseguirem reformar, a prestação dos serviços públicos mais essenciais ficará prejudicada. Cada brasileiro já aporta R$ 1 mil por ano apenas para cobrir o déficit das previdências estaduais (da ordem de R$ 100 bilhões). O déficit atuarial de Estados e municípios – o déficit nas próximas décadas – é de cerca de R$ 5 trilhões (mais de R$ 20 mil por brasileiro!), não muito menos impressionante que o déficit atuarial no regime do INSS.
De fato, a reforma aprovada atinge apenas uma minoria dos servidores: mais de 80% dos servidores em regimes próprios são estaduais ou municipais. Para serem alcançados, serão necessárias mais de 5 mil reformas pelo Brasil, porque diversas propostas têm de ser aprovadas para cada um dos mais de 2 mil regimes próprios.
No Brasil, Estados e municípios não decretam falência. É inevitável que ao menos parte da conta volte para a União – o que fez a economista Selena Peres chamar a mudança de jogo do joão-bobo. Vai e volta, e a volta é um risco importante, talvez ainda pouco compreendido, para a dívida pública e o teto de gastos.
A solução da PEC paralela é equilibrada. A decisão da Câmara não é revertida: Estados e municípios continuam tendo a atribuição para tratar de previdência. Mas a adoção das regras federais é facilitada e estimulada. É facilitada porque precisa apenas da aprovação de uma única lei ordinária (maioria simples), desde que o projeto seja de iniciativa do governador ou prefeito. E a aprovação da lei no Estado alcança também todos os municípios.
E é estimulada porque os que aprovarem as regras da União são premiados. Na reforma já aprovada, houve uma mudança importante para o federalismo brasileiro na Constituição. Fica impedido que a União faça transferências voluntárias, conceda avais e até empréstimos em bancos públicos para o Estado ou município que descumprir regras previdenciárias, o que poderia abranger inclusive a regra de equilíbrio financeiro ou atuarial. Na PEC paralela, há uma libertação: o Estado ou município que fizer a reforma é premiado e se livra das proibições.
Em dez anos, o impacto seria de R$ 350 bilhões caso as regras da União valessem para Estados e municípios – pelas contas do governo.
A paralela também traz ganhos fiscais para a União: apesar de alterações em alguns pontos da reforma da Previdência aprovada, há ajuste pelo lado da receita. As renúncias ao agronegócio exportador e parte das do Simples são revistas. As das filantrópicas são mantidas, mas deverão ser compensadas pela União, convite à fiscalização mais efetiva.
E com neutralidade do ponto de vista fiscal, a paralela autoriza o Benefício Universal Infantil: integração de quatro políticas públicas, com foco na primeira infância e na extrema pobreza, proposta por pesquisadores do Ipea.
*Doutor em economia e Consultor Legislativo