Pedro Doria: Uma eleição disruptiva

Jair Bolsonaro se elegeu presidente usando o WhatsApp e, ao que tudo indica, governará usando WhatsApp e outras redes. É o método Donald Trump de governo.
Foto: Tânia Regô/Agência Brasil
Foto: Tânia Regô/Agência Brasil

Jair Bolsonaro se elegeu presidente usando o WhatsApp e, ao que tudo indica, governará usando WhatsApp e outras redes. É o método Donald Trump de governo.

Nos EUA, Trump tem, cativos, algo entre 15 e 20% do eleitorado. Estes representam um percentual muito relevante dos eleitores do Partido Republicano. A cada vez que Trump lança um tema ou bate em alguém via Twitter, seus eleitores reagem em massa e deputados e senadores republicanos se sentem imediatamente pressionados. Nunca um populista teve uma ferramenta assim nas mãos, que lhe permite provocar a massa de forma tão imediata, conseguindo em troca uma reação assim instantânea.

Esta é uma das armadilhas que o digital prega na democracia. Quando as regras do sistema democrático atual foram imaginadas, ainda no século 18, uma ideia destas não estava no cardápio. Mas o resultado é que o chefe do Executivo, quando capaz de mover massas, tem um poder único de pressão sobre o Legislativo. É uma forma de, preservando todas as regras democráticas, driblar a democracia. A independência entre os Poderes se vê fragilizada.

Esta eleição de 2018 é disruptiva em muitos sentidos. Ouvi a expressão, tão utilizada no Vale do Silício, do cientista político Sergio Abranches em uma conversa na semana passada. Quando aplicada à indústria, disrupção é o processo pelo qual uma inovação vira o modelo de negócios de cabeça para baixo, tinge de vermelho as planilhas, provoca demissões em massa e, no fim, reinventa por completo a maneira como a coisa era feita.

A eleição que alçou Bolsonaro ao poder não é disruptiva apenas porque mudou a maneira de eleger um político, tornando o horário eleitoral inútil, e o tamanho do partido idem. Ela é disruptiva por seu o primeiro sinal claro de que a população brasileira está sentindo na pele os efeitos da transformação digital da vida.

O desemprego que já vivemos, aqui no Brasil, não é apenas fruto da inépcia econômica do governo Dilma Rousseff, ou da incapacidade de Michel Temer reequilibrar o jogo. Também vem do fato de que o digital automatiza, facilita, gera concorrência onde não havia e, noutros tantos setores, simplesmente exige menos mão de obra. Da relação entre táxis e Ubers à crise pela qual nós, jornalistas, passamos, a mudança de base tecnológica vai alternando o jeito que as coisas funcionavam há décadas.

Também está relacionado ao avanço tecnológico o rombo previdenciário que o Brasil e tantos outros países enfrentam. A população aumenta porque vivemos mais, e vivemos mais porque a medicina dá saltos a cada ano. Mas o resultado é também que o Estado perde a capacidade de proteger como já pôde um dia. Este é um processo com múltiplos resultados. Um é o congelamento de Parlamentos que não conseguem tomar a media impopular, porém necessária, de alterar as regras pelas quais pagamos aposentadorias e pensões. Outra é que, sem a teia de proteção, a cultura da sociedade se adapta. “Já faz parte desta transformação”, diz Sérgio, “este rumo da sociedade global a um novo tipo de individualismo. O indivíduo se vê por conta própria porque o Estado não protege mais.”

De certa forma, Bolsonaro foi um candidato contraditório. Afinal, seu discurso foi simultaneamente liberal e antiliberal. É um autoritário que promete força no comando do Estado. Nada menos liberal. Assim como promete desburocratização, facilidades para empreendedores, um Estado mais enxuto e abertura para o comércio exterior. Nada mais liberal.

Contraditório, porém a cara do tempo. Para uma população perdida, realmente desorientada perante as mudanças do mundo, nada como um candidato que representa o pai rigoroso que porá tudo em ordem. Tudo enquanto fala a língua do momento, em favor do empreendedorismo e via WhatsApp.

 

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