Numa democracia, discordar do presidente é também um exercício patriótico
Ontem, pouco mais de meia hora após o deputado federal Jean Wyllys anunciar sua renúncia ao cargo, o presidente Jair Bolsonaro publicou um tuíte cifrado: “Grande dia!” Quase que imediatamente depois, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, conhecido por operar as mídias sociais do pai durante a campanha, publicava outro em sua conta: “Vá com Deus e seja feliz!” Ambos usaram o app para iPhone na hora de publicar suas mensagens. Algumas horas depois, o presidente usou a mesma frase de Carlos dirigindo-se ao também vereador carioca David Miranda, que assumirá a vaga de Wyllys na Câmara dos Deputados: “Seja feliz!” Bolsonaro – o pai – negou que seu comentário fosse referência ao exílio autoimposto de Wyllys. Estava, disse, celebrando a participação em Davos.
Talvez. Mas o clima no Twitter indubitavelmente mudou após os Bolsonaro chegarem ao poder. É sua plataforma preferencial para divulgar mensagens oficiais. É, também, o ambiente no qual lutam como guerrilha.
Em seus anos no Planalto, o PT montou uma estrutura de sites e blogs tocados por jornalistas que haviam deixado redações que, junto a alguns amadores, se tornaram uma imprensa oficial paralela. Endossavam os pontos de vista do governo, atacavam a imprensa profissional, e punham na roda teses políticas para consumo da militância. A máquina petista era generosamente financiada com patrocínios e publicidade das estatais.
Os argumentos de defesa para cada escândalo que aparecia eram distribuídos por estes sites, abraçados pelos militantes e levados às redes sociais. Mas, desde o início, eles adotaram uma postura de mimetizar a imprensa. Embora fossem em essência uma máquina de propaganda do grupo no poder, esforçavam-se por parecer jornalismo para que o conteúdo que produzissem fosse distribuído como informação.
A estratégia digital bolsonarista é muito diferente. Busca a guerra de guerrilha nas redes sociais com alguns objetivos distintos. Um é municiar de argumentos sua própria militância quando precisa lidar com críticas. Outro é manter esta mesma militância em constante estado de alerta.
Um terceiro – e importante – é agir sobre as conversas, interromper o diálogo. Qualquer um que critique o presidente é imediatamente inundado de respostas, em geral ataques duros e com poucas palavras até para os padrões do Twitter. E a enchente de respostas torna impossível filtrar no meio quais os comentários interessantes, quem de fato buscava o diálogo. Ataques sistematizados assim, nos quais a turba é orientada a apontar para uma pessoa e bombardear, correspondem a uma das formas modernas de censura. Cala-se não proibindo a fala, mas fazendo com que ela desapareça no ruído.
A virulência é parte do método. A turba é agressiva. Ofende. Distribui acusações. Busca intimidar.
A mais importante conta da plataforma bolsonarista de comunicação no Twitter é a @Isentoes, que ostenta um retrato pouco generoso do ex-governador paulista Geraldo Alckmin como ícone. De isentão, o responsável anônimo não tem nada. Ele fixa o alvo e sai para o ataque continuado. Ontem, por exemplo, seus alvos simultâneos eram Jean Wyllys, David Miranda e o marido do novo deputado, o jornalista Glenn Greenwald. É nesta conta que são distribuídos documentos de ataque aos inimigos do poder.
É um jeito de fazer política, claro. Mas é um compreender o exercício do poder não como a arte do convencimento e sim como um rolo compressor que esmaga quem discorda. Quem lê os bolsonaristas no Twitter rapidamente percebe uma de suas frases mais comuns: “torcendo contra o Brasil”. Não entenderam bem que, numa democracia, discordar do presidente é também um exercício patriótico.