Suprema Corte americana vai decidir se uma companhia pode ter tanto poder
Na semana passada, o Facebook foi pesadamente punido pela Apple por violar as normas da App Store. As consequências para a rede social foram duras: por um dia, seu fluxo de desenvolvimento de novos apps parou, funcionários não conseguiram marcar os ônibus da companhia para ir e vir, até acesso ao cardápio ficou limitado. Por um dia, parte de uma das empresas mais ricas e poderosas do mundo parou porque uma concorrente assim o quis. Esta não é uma história na qual o Facebook é inocente – mas esta é uma história na qual a Apple mostrou o poder de um monopólio. Uma história complexa que dá mostras do tamanho do poder acumulado no Vale do Silício.
Em outubro de 2013, o Facebook comprou uma startup chamada Onavo, dedicada a prover análise de dados para desenvolvedores de apps. Para o usuário comum, a Onavo oferecia um app chamado Protect. Prometia economia na conta de telefone por diminuir o tráfego. Em troca, acumulava informações sobre tudo aquilo que o sujeito fazia em seu smartphone: que apps abria, por quanto tempo usava, que mensagens enviava e para quem. Tudo.
Por quatro anos, a rede social fez uso de Onavo Protect para se informar sobre como as pessoas usavam seus celulares. Compreendeu assim, como nenhum outro concorrente, quem era importante e quem não era, quem ameaçava ou quem podia ser ignorado. Foi com base nestes dados, por exemplo, que em 2014 surpreendeu o mundo ao comprar o WhatsApp por US$ 19 bilhões. Os executivos do Face sabiam o que ninguém havia percebido ainda: aquele app ia dominar o mercado de mensagens. Foi também com Onavo que descobriram o quanto estavam se tornando populares os Stories de um rival, o Snapchat. Ao copiar e colocar em seu Instagram o recurso, o Face esmagou o adversário que começava a despontar.
Quando o Wall Street Journal revelou o truque, a Apple se indignou, mudou as regras da App Store proibindo a coleta massiva de dados e, assim, pôde banir Onavo Protect.
Na semana passada, o site TechCrunch descobriu que a rede continuava recolhendo dados. Usava, agora, o app Facebook Research. Este é um aplicativo de uso interno — a Apple permite que grandes companhias tenham apps que não necessariamente seguem as regras da loja, mas são usadas exclusivamente por seus funcionários. Servem para testes de apps futuros ou para a logística interna. Facebook Research era um app de uso interno que o Face distribuía para fora. Aliás, pagava para as pessoas o instalarem.
Pois a Apple foi inclemente em sua punição. Bloqueou todos os apps internos do Facebook por um dia. Quando veio à tona que o Google fazia o mesmo, também ele foi punido de forma equivalente.
Tim Cook, o CEO da Apple, vem promovendo uma forte campanha de imagem de sua companhia. Ela não coleta dados de ninguém porque respeita a privacidade. Num prédio em frente ao pavilhão da CES, agora em janeiro, um grande outdoor estampava para toda a comunidade: “O que acontece em seu iPhone, fica em seu iPhone.” Brincava com o lema da cidade sede do evento, Las Vegas.
Há um quê de hipocrisia, aí. A Apple tentou montar um serviço de publicidade como Facebook e Google. A diferença é que o seu, chamado iAds, fracassou.
A Suprema Corte americana vai decidir se julga a Apple por monopólio em sua App Store. Quem deseja alcançar o público que tem iPhones e iPads só tem uma escolha. Ou se submete à Apple e repassa 30% do lucro ou não tem acesso às mais de 700 milhões de pessoas que usam iOS. É um poder imenso, inclusive, sobre suas concorrentes. A Apple pode simplesmente tirá-las do ar quando desejar — e não haverá defesa. Pode uma companhia ter tanto poder?
Ninguém é inocente no Vale do Silício.