Como compreender que jovens aparentemente normais resolvam partir para atentados fatais?
Diante de ações terroristas que nos parecem tão cruéis e insensatas como incompreensíveis, hesitamos ante contra-atacar com maior violência ou tentar entender um fenômeno que, não sendo novo, adquire nova fisionomia com o passar dos anos. A primeira ideia de dobrar as apostas na contraviolência parece a muitos eficaz e inevitável.
Depois de quase cinco anos de combate, o califado islâmico de Abu Bakr al-Bagdadi foi destruído em duas etapas: em julho de 2018 rendeu-se a cidade de Mossul, no Iraque, e em 23 de março caiu o último bastião de guerreiros em Banghusz, na Síria. Antes de gritar vitória, contudo, interessa saber se não foram só mais dois episódios isolados na guerra interminável desencadeada pelo atentado às torres do World Trade Center, em Nova York, em 11 de setembro de 2001. Seguiram-se a morte de Saddam Hussein, no Iraque, em dezembro de 2006, em 2011 a de Muamar Kadafi, na Líbia, e no mesmo ano a de Osama bin Laden, fundador da Al-Qaeda.
Além dos resultados mais que duvidosos da política de pacificação regional, vale lembrar que a morte dos líderes ou apoiadores do terrorismo islâmico não impediu a continuidade dos atentados. De mais a mais, ataques perpetrados pelos chamados “lobos solitários” não se prestam a esse tipo de estratégia. Não se podem lançar bombas preventivas contra psicopatas isolados em quartos desconhecidos sonhando com massacres em escolas ou mesquitas. É quase uma constante: colegas de classe, de trabalho ou vizinhos caem das nuvens quando lhes dizem que o rapaz tímido e silencioso que conheciam saiu jogando bombas ou metralhando gente ao acaso.
Após o ato, muitos cometem suicídio, como os assassinos da escola Raul Brasil, em Suzano. Outros preferem seguir vivendo em busca da notoriedade que lhes darão as manchetes. Foi o caso, entre tantos outros, do terrorista que matou 49 pessoas no recente atentado a duas mesquitas da Nova Zelândia.
Na tentativa de contrariar esse exibicionismo sinistro, a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, inaugurou um novo sistema de defesa. Falando ao Parlamento, ela disse que quando se referisse ao assassino não diria seu nome. E prosseguiu: “Imploro a todos que digam o nome daqueles que perderam a vida, não do terrorista que as tirou. Ele pode estar em busca de notoriedade, mas aqui, na Nova Zelândia, não lhe daremos isso. Não diremos nem mesmo seu nome”.
Embora simpática, a ideia de Jacinda seria melhor se fosse exequível, o que não parece ser o caso. O ídolo absoluto dos supremacistas brancos, muito citado em seus manifestos, é o norueguês que em 2011 liquidou 77 pessoas num ataque à bomba e a tiros num acampamento de verão para adolescentes.
Mas com ou sem nome na imprensa, seu feito será sempre lembrado pelos lobos solitários da supremacia branca. Com a internet a tentativa de negar notoriedade aos assassinos torna-se literalmente impossível. O atentado às duas mesquitas de Christchurch foi filmado pelo próprio assassino com equipamento amarrado na cabeça e postado na rede. O Facebook disse que removeu mais de 1,5 milhão de versões do vídeo. Outras plataformas, como YouTube e Twitter, igualmente lutaram para conter o alastramento da imagem. Mas já era tarde.
Outra maneira de combate ao terrorismo é localizar e vigiar indivíduos suspeitos de radicalização. É o que faz a França, que tem um sistema de supervisionar frequentadores de mesquitas conhecidas por pregadores simpáticos a atividades extremistas. Mas o sistema tem inúmeros inconvenientes. O primeiro deles é que não funciona. No tempo da ocupação nazista, a Gestapo montou um sistema contra a resistência francesa de uma brutalidade inigualável. Uma vez preso um resistente, alegava-se que não poderia ter agido sem o auxílio da família, e por essa razão não ia sozinho para a forca, mas eram igualmente castigados seus pais, irmãos e filhos maiores de 14 anos. Nos cartazes espalhados pela cidade todos eram classificados como terroristas judeus. Havia ainda castigos indiscriminados de populações suspeitas de ajudar os bolsões de resistência nas florestas.
Logo depois do desembarque aliado na Normandia, o Sturmbannführer Adolf Diekmann comunicou a seus oficiais que havia sido avisado por dois civis franceses da região da cidadezinha de Oradour que um oficial SS havia sido preso pelos “terroristas” e estava prestes a ser executado. Em represália, os habitantes de Oradour, homens, mulheres e crianças, foram trancados num celeiro e na igreja, que foram incendiados. Quem tentasse fugir era metralhado.
O vento da História logo viraria tudo de cabeça para baixo e os “terroristas”, transformados em heróis, assumiriam o controle do governo comandado pelo general Charles de Gaulle, até então apontado como líder dos terroristas.
Se hoje ninguém duvida do lugar a ser ocupado na História pelos resistentes franceses, assim como dos outros países europeus ocupados pelo regime nazista, o mesmo não se dá com os islamitas de hoje. Acreditam eles que defendem a religião, a independência em relação aos costumes e valores ocidentais, os ensinamentos do profeta Maomé. Até aí, nada de novo. Morrer por um ideal religioso ou político sempre foi motivo de respeito e estar disposto a morrer pela pátria é valor permanente em todos os exércitos regulares, mesmo em circunstâncias extremas, como a dos pilotos camicases prontos a morrer pelo imperador do Japão.
Agora, o que países ocidentais parecem incapazes de compreender é como rapazes que até então pareciam perfeitamente normais passam subitamente a orar voltados para Meca. Suas namoradas abandonam as minissaias e cobrem o rosto com o véu islâmico. Um dia partem para os atentados fatais. Catalogá-los simplesmente como fanáticos, vítimas de lavagem cerebral, não ajuda a entendê-los nem a combatê-los.
Mas o que os atrai? Talvez a vontade de dar um sentido à sua vida, desejo comum à juventude de todos os tempos.
*JORNALISTA E ESCRITOR