Hoje a chamada bancada da Bíblia no Congresso veta e nomeia ministros
Num país onde tantos projetos começam bem e acabam em pizza, houve pelo menos um que começou por uma rodada de pizzas e terminou muito bem.
No início de uma noite de 1945, professores de Direito e advogados de orientação católica encontraram-se reunidos na cidade de São Paulo, num restaurante no início da Avenida Brigadeiro Luís Antônio. Vinham de uma reunião convocada por dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota. O então arcebispo metropolitano e futuro cardeal de São Paulo dissera-lhes que recebera de Roma a licença para abrir uma universidade católica em São Paulo e pediu que cuidassem das iniciativas referentes à parte jurídica.
Pediram uma rodada de pizzas. Terminada a refeição, utilizaram o verso das bandejas de papelão para anotar uma primeira versão dos estatutos do que seria a Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP).
Apesar do inegável e inegado êxito acadêmico da empreitada, outros aspectos da religião católica não tiveram a mesma sorte. O Partido Democrata Cristão, que tal como a PUC prosperou no pós-guerra, impulsionado na Europa por personagens como Adenauer na Alemanha e De Gasperi na Itália, teve sua importância no Brasil, mas hoje o seu único representante conhecido é o eterno candidato a presidente José Maria Emayel.
Em contraponto a essa decadência assistimos à ascensão política dos grupos evangélicos. Antigamente os políticos eram obrigados a se declarar católicos apostólicos romanos, hoje a chamada bancada da Bíblia no Congresso veta e nomeia ministros essenciais, como os da Educação e das Relações Exteriores.
O presidente Jair Bolsonaro ilustra bem essa trajetória. Católico de formação, viajou em 2016 para Israel, onde recebeu o batismo pentecostal nas águas do rio Jordão. Casou-se com a atual esposa em cerimônia celebrada pelo pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Mesmo sem chegar a essa adesão entusiástica, a maioria dos políticos procurara visitar templos em época eleitoral.
Uma exceção de peso foi Fernando Haddad, que, inconformado com o apoio das principais lideranças evangélicas a Jair Bolsonaro, referiu-se ao bispo Edir Macedo, dono da TV Record e fundador da poderosa Igreja Universal do Reino de Deus, como “fundamentalista charlatão com fome de dinheiro”. Não são acusações novas. Por causa delas, em maio de 1992 Macedo chegou a passar 11 dias na a carceragem da delegacia da Vila Leopoldina.
O episódio, em vez de prejudicá-lo, fez subir seu poder, à medida que decrescia o poder político dos católicos. Isso não significa, entretanto, que o fervor religioso tenha diminuído entre os católicos brasileiros. O dia 12 de outubro, consagrado à padroeira do Brasil, continua a levar legiões de fiéis à Basílica de Nossa Senhora Aparecida. Também prosseguem fervorosamente as cerimônias religiosas do Círio de Nazaré, comemoradas no segundo domingo de outubro em Belém do Pará, e tantas outras festas religiosas Brasil afora.
Como se explica, então, o aparente divórcio entre o fervor católico sempre aceso nos corações brasileiros e o avanço crescente dos pentecostais no caminho do poder?
Parte se deve ao aparente desinteresse da Igreja Católica em tomar partido. A CNBB publicou nas últimas eleições um comunicado que é um modelo insosso de neutralidade. Mas isso não explica tudo. Parece claro que a face visível da religião católica não tem hoje o mesmo apelo popular dos pentecostais. O leitor pode formar de maneira simples uma opinião pessoal sobre o assunto. Basta ligar a TV praticamente a qualquer hora do dia e da noite. Além da Record, que pertence a Edir Macedo, outros canais vendem espaço para programas do gênero.
Para quem foi criado na Igreja Católica, a primeira impressão é de estranhamento causado pela aparência externa dos maiores locais de culto. Não têm semelhança com igrejas. Lembram imensos ginásios para a prática de esportes ou para shows musicais. No interior não há imagens de santos, rigorosamente proibidas, mas não faltam holofotes dirigidos para o palco onde se exibem os pastores.
Há os que se apresentam de terno e gravata, como o próprio Edir Macedo, e outros que aparecem de roupas de brim e chapéu de vaqueiro, como o Apóstolo Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus; ou, ainda, quem use modelos de alta costura e joias, como a bispa Sonia Hernandes, da Renascer em Cristo.
Todos falam pouco de vida eterna. O reinado que prometem é deste mundo. Problemas aparentemente insolúveis de saúde, dinheiro, vício em drogas ou relações amorosas são resolvidos do dia para a noite, como afirmam as pessoas cujos testemunhos maravilhados constituem a parte mais consistente dos programas. Não há limites.
Num dos últimos sábados de outubro uma senhora contou que depois de vários dias em coma acordou na UTI e, revoltada com o prognóstico pessimista dos médicos, recusou qualquer medicação. Limitou-se a beber a água que seu pastor consagrara pela televisão. Distribuiu o líquido miraculoso aos outros pacientes da UTI. Em poucos dias todos receberam alta.
Nada substitui, no entanto, a presença nos cultos em que a força de Jesus Cristo se manifesta de maneira espetacular por meio dos exorcismos, um show espetacular à parte. A presença também é útil para recolher doações com uma veemência que muitos aproximam do mercantilismo.
À sua maneira, a Igreja Católica também tenta se adaptar aos novos tempos. Um dos exemplos mais conhecidos é o das missas dominicais oficializadas no Santuário Mãe de Deus, em Interlagos, pelo padre Marcelo Rossi e transmitidas pela televisão para todo o Brasil.
Dotado de grande talento de comunicador, o padre Marcelo Rossi consegue interagir com os fiéis, que a seu pedido levantam as mãos, batem palmas ou cantam hinos. Celebra a missa com simplicidade e não promete milagres, mas consegue criar um extraordinário ambiente de fé e alegria, abrindo talvez um novo caminho para a Igreja Católica do Brasil.
* PEDRO CAVALCANTI É JORNALISTA E ESCRITOR