Somente o estado de direito observado nas democracias tranquiliza empreendedores a fazer investimentos de longo prazo
A longa defasagem temporal entre a adoção de uma política econômica e a plena observação de seus efeitos constitui um dos principais impedimentos à solução de problemas econômicos estruturais, em países democráticos. Há vários sinais de que o Brasil começa a aprender como resolvê-los, mas também outros em direção contrária que são motivos de preocupação.
O enfrentamento de problemas que afligem a sociedade por décadas, não raro séculos, impõe custos políticos no curto prazo, mas seus benefícios só se tornam visíveis após decorrido um longo período desde sua implantação. Por isso, muitas reformas estruturais são sistematicamente adiadas ou, quando implantadas, acabam abandonadas. A mesma defasagem permite que políticas populistas que trazem benefícios de curto prazo, mas criam novos problemas para o futuro, levem muitos anos até que suas consequências nefastas sejam percebidas pelo eleitorado. A defasagem entre causa e efeito cria um viés que favorece o imediatismo irresponsável.
Em muitas democracias, o eleitorado leigo em assuntos econômicos, diante do grande interregno entre a implantação de uma política estrutural e a percepção de seus resultados, não enxerga a relação de causa e efeito. A incompreensão de problemas complexos é oportunistamente explorada por partidos políticos de diferentes matizes. Quando estão no poder lutam pelas reformas, mas as combatem quando se tornam oposição. O partido que promove um ajuste estrutural não apenas perde as próximas eleições, como ainda deixa a casa arrumada para que seu adversário político, que lutou contra as mesmas reformas, possa fazer um ótimo governo, alcançando a reeleição. Promover reformas estruturais é percebido como um suicídio político. A argentina constitui um caso proverbial desse fenômeno.
No Brasil, a Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000, foi a reforma que consolidou a estabilização monetária iniciada pelo Plano Real. A LRF gerou uma década e meia de superávits primários, mas derrubou o prestígio político de FHC junto ao eleitorado que lhe havia dado duas vitórias em primeiro turno, abrindo caminho para o triunfo do PT em 2002. Este colheu os frutos das reformas que combatera duramente quando estava na oposição. A LRF foi, posteriormente, enfraquecida por Dilma Rousseff, resultando na mais prolongada recessão da história brasileira. No curto prazo aumentou sua popularidade, mas o país pagou os custos desse populismo por muitos anos.
No passado, incentivos perversos de curto prazo, como os ilustrados acima, foram oportunistamente usados até como justificativa para a supressão da democracia. A premissa era que um governo competente e bem-intencionado, desde que pudesse desconsiderar restrições político-eleitorais, conseguiria implantar as necessárias reformas sempre adiadas pelas disputas eleitorais, rompendo o ciclo vicioso do subdesenvolvimento.
A falha dessa visão está na sua premissa, pois nada garante que, na ausência das liberdades individuais asseguradas pela democracia, o poder venha a ser realmente exercido pelos tecnicamente mais competentes, muito menos que suas prioridades coincidam com as verdadeiras necessidades da população. Adicionalmente, somente o estado de direito observado nas democracias tranquiliza empreendedores a fazer investimentos de longo prazo, sem temor de mudanças abruptas e arbitrárias das regras do jogo. A Rússia de Putin é um exemplo típico de país que atrai poucos investimentos externos, devido à incerteza gerada pela ausência de um confiável estado de direito.
É perfeitamente possível conciliar eficiência econômica com democracia. Basta que se modifiquem as regras do jogo que mantêm muitos países democráticos prisioneiros do populismo de curto prazo. No Brasil, a já mencionada LRF gerou uma década em meia de estabilidade macroeconômica. A Emenda do Teto do Gastos restabeleceu a confiança dos mercados na solvência da dívida pública, propiciando a queda inédita da taxa real de juros. O modelo de agências reguladoras, cuja missão é fiscalizar o cumprimento de regras estáveis de longo prazo desconsiderando pressões eleitoreiras de curto prazo, viabilizou importantes investimentos privados. Na direção contrária, indicações políticas para essas mesmas agências e a recente intervenção do presidente Bolsonaro na discussão sobre taxação de energia solar, passando por cima da Aneel, aumentam a insegurança do ambiente de negócios, podendo mesmo inviabilizar investimentos de longo prazo.
No momento, tramitam no Congresso reformas destinadas a criar novas regras do jogo que, ao reduzir a liberdade de ação do governo de turno, viabilizam a perseguição de importantes objetivos de longo prazo. A independência operacional do Banco Central assegurada em lei, ao garantir aos mercados que a instituição não sofrerá interferência do governo, como observado na gestão Dilma Roussef, aumentará a potência da política monetária, com redução do prêmio de risco pago sob forma de juros e atenuação do ciclo econômico-eleitoral.
Outro bom exemplo é a PEC 186, alcunhada de emergencial, que não apenas propõe limites prudenciais para os gastos permanentes de estados e municípios, como fornece os instrumentos jurídico-administrativos para se observá-los. Em caso de descumprimento dos limites, governadores e prefeitos poderão reduzir em 25% a jornada de trabalho de servidores, com queda proporcional de remuneração, bem como a demitir servidores estáveis. Paradoxalmente, essas medidas extremas serão raramente aplicadas, pois os próprios sindicatos de servidores serão os primeiros a moderar pressões salariais, por temer o atingimento dos referidos limites.
Em direção contrária está o processo de privatizações. Apesar do discurso, até agora pouco foi feito, o que indica fraca vontade política. Mais ainda, a eleição de vacas sagradas a serem preservadas – Petrobrás, CEF e BB – deixa uma enorme dúvida sobre o futuro.
Apesar das melhorias de governança nessas empresas e de gestões bem mais eficientes, o que garante que uma mudança de governo no futuro, ou a mera troca de equipe econômica, não as leve de novo à corrupção, ao uso político e ao desperdício de recursos, com toda a insegurança que isso traz ao ambiente econômico?
A democracia oferece soluções criativas para os problemas que ela mesmo cria. O Brasil parece estar aprendendo as lições de seus próprios sucessos e fracassos, mas ainda há muito a ser feito para garantir um futuro com pouco espaço para populismos de direita ou esquerda.
*Pedro Cavalcanti Ferreira é professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento
*Renato Fragelli Cardoso é professor da EPGE-FGV