Paulo Guedes é cobrado por não cumprir promessas
Dilma Rousseff deve estar rindo e não à toa. Ela foi acusada em 2015 de cometer estelionato eleitoral, com certa razão, e agora assiste de camarote o pessoal do atual governo provar do mesmo veneno. O ministro da Economia, Paulo Guedes, vem sendo ferozmente criticado por executivos do mercado financeiro por não articular um plano para resolver a questão fiscal.
O próprio presidente do Banco Central fez, dias atrás, cobrança indireta a Guedes, dizendo que o país precisa de um plano que dê clara percepção aos investidores de que está preocupado com a “trajetória da dívida”.
A expressão acima não está entre aspas por acaso. Ela é fundamental no pensamento fiscalista dominante, diariamente repetido por economistas. Considera-se que, com a dívida bruta se aproximando de 100% do PIB, o país enfrentará um período dramático, porque perderá a confiança dos investidores e, sem esses recursos, não terá como reativar a economia.
O economista André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, discorda dessa opinião quase consensual no universo financeiro. Ele considera a preocupação com a confiança dos investidores infundada, porque em várias ocasiões na história, principalmente após guerras ou catástrofes, inúmeros países tiveram dívidas maiores que o PIB. E mesmo em situações normais, muitos mantêm até hoje esse nível, entre eles Estados Unidos, Itália e Japão.
Lara Resende é impiedoso ao contestar esse terrorismo fiscal, como dizem alguns críticos. “A pergunta mais complicada de ser respondida é: por que hoje no Brasil a opinião dos economistas que aparecem na imprensa, assim como a da própria imprensa, regrediu para o que era a ortodoxia do século XIX na Inglaterra? A chamada ‘Visão do Tesouro’, que sustentava a necessidade de sempre equilibrar as contas públicas, depois duramente criticada por Keynes, deixou de ser levada a sério”, disse o economista em entrevista ao “Estadão”.
O argumento de Lara Resende é que, desde que não siga uma trajetória explosiva, a dívida pública pode crescer e se estabilizar assim que passar a crise. O que pode preocupar é a dívida externa, mas nesse quesito o país vai muito bem, porque tem reservas cambiais de quase 30% do PIB, cerca de US$ 350 bilhões. A insolvência externa, esta sim, quebra um país, daí a célebre frase do ex-ministro Mário Henrique Simonsen: “A inflação aleija, mas o câmbio mata”.
Toda essa divagação sobre a questão fiscal é para dizer que Paulo Guedes, um fiscalista confesso, está agora sendo criticado por inoperância exatamente nessa área. A ponto de se espalhar a ideia de que ele deixou de ser o fiel da balança do governo, segundo dizem reservadamente executivos de bancos e investidores institucionais diariamente ouvidos pelo Valor. Sua eventual saída, portanto, não mais representaria uma ruptura na visão agora dominante no mercado. Mas o mercado quer um substituto que tenha compromisso com a agenda da responsabilidade fiscal, ou “Visão do Tesouro” do século XIX.
No fundo, o mercado faz com a equipe econômica de hoje o mesmo que a oposição fez em 2015 com o governo Dilma. Acusa-o de prometer uma coisa e fazer outra. Durante a campanha para a eleição de 2014, na qual superou Aécio Neves (PSDB) por poucos votos, Dilma garantiu que não haveria arrocho às custas dos mais pobres e que benefícios trabalhistas não seriam reduzidos. “Nem que a vaca tussa”, disse. Reeleita, porém, nem foi preciso a vaca tossir. Ela logo elevou impostos sobre gasolina, operações financeiras e cosméticos. E mudou normas trabalhistas, entre outras, o seguro-desemprego. Também vetou a correção da tabela do Imposto de Renda, o que atingiu em cheio a classe média. A oposição considerou essas medidas estelionato eleitoral, até porque Dilma nomeou para o Ministério da Fazenda um economista fiscalista radical, Joaquim Levy, conhecido como “mão de tesoura”.
Guedes estaria cometendo estelionato eleitoral pela razão oposta. Durante a campanha de Bolsonaro, ele prometeu adotar uma política econômica ultraliberal, com rigorosa austeridade fiscal, corte implacável de gastos, forte contenção de salários, demissão de servidores públicos e privatização de estatais. Seja lá como for, por razões políticas ou pela crise sanitária, Guedes não entregou o prometido nos dois primeiros anos de governo, com exceção da decantada reforma da Previdência. E a continuidade da pandemia indica que o “Posto Ipiranga” não conseguirá entregar muito mais em 2021. Mas o mercado quer sangue.
Estão em choque o populismo e o terrorismo fiscal, ambos altamente danosos.
Mudando completamente de assunto, observe o símbolo acima. Você está cansado de vê-lo por aí, em estacionamentos. Mas, algo o incomoda? Se não, provavelmente não é idoso. O leitor Humberto Viana Guimarães é. Ele leu coluna neste espaço, meses atrás, com o título “Clichês que aborrecem e eufemismos inócuos” e diz ter se divertido muito. E também fez uma observação sobre o preconceito exalado por esse símbolo. O assunto veio à baila porque as denúncias de violência contra idosos aumentaram 72% durante a pandemia. Foram de 62 mil no país de janeiro a setembro.
Guimarães irrita-se com esse símbolo que identifica vagas para idosos em estacionamentos, sempre de um velho curvado, com uma bengala na mão. Diz que tem 70 anos, postura correta, não usa bengala e faz diariamente três horas de exercícios físicos.
Ele tem razão. Um senhor naquelas condições provavelmente não estaria dirigindo um carro e não precisaria da vaga. A placa indica flagrante preconceito.
Tramita há anos no Congresso um projeto de lei que proíbe o uso de símbolo pejorativo de idoso. Mas será que isso precisaria de lei?