Pedro Cafardo: Empresários acordam e Brasil pede socorro

Crise deixa como lição que empresários precisam se manifestar.
FOTO: MIGUEL SCHINCARIOL / AFP
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Crise deixa como lição que empresários precisam se manifestar

Finalmente, as classes empresariais, os economistas e até líderes do mercado financeiro acordaram. No fim de semana, duas robustas e corretas manifestações pediram que o país seja respeitado. Mais de 500 economistas e banqueiros divulgaram uma longa carta aberta à sociedade pedindo, principalmente, a adoção de medidas efetivas para conter a pandemia. Em outra manifestação, um grupo de empresários e executivos lançou uma ofensiva no Congresso, não só pelo auxílio emergencial, mas também em favor da discussão de outras medidas sociais para socorrer as empobrecidas famílias brasileiras.

É redundante citar aqui as sugestões feitas pelas classes empresariais, inclusive do setor financeiro. As propostas são, basicamente, aquelas que vemos diariamente na grande imprensa, nas entrevistas desesperadas de médicos, cientistas e familiares de mortos, à medida que avança o número de vítimas fatais da pandemia, que se aproxima de 300 mil pessoas. Em resumo, as propostas combatem o negacionismo e pedem ação urgente do governo.

Tão importante quanto as sugestões feitas nos dois documentos é o fato de que os empresários acordaram para uma realidade: o país pede socorro e não pode continuar nessa marcha insensata, com o chefe de governo não só ignorando a pandemia como também incentivando comportamento suicida de brasileiros desavisados.

É preciso adotar a sinceridade e admitir que as classes empresariais tiveram importância fundamental na eleição do atual presidente da República. Não é necessário lembrar que a sustentação dessa escolha se baseou na ideia de que, para o bem ou para o mal, qualquer governo seria aceitável, desde que não representasse a continuidade dos quatro mandatos do PT. Ainda hoje, com todas as terríveis consequências de mais de dois anos de mandato, o índice de apoio dos empresários ao atual governo, em todas as pesquisas, segue muito maior que o da média nacional.

Houve, certamente, omissão, comportamento que parece estar mudando agora. Acreditou-se, antes e depois do início do governo eleito em 2018, que uma política econômica liberal e exclusivamente voltada ao aperto fiscal, deixando de considerar o impacto dessa política sobre a vida das pessoas que perdem o emprego, poderia salvar o país. Durante certo período, essa crença se materializou na reforma da Previdência, que sanearia as contas públicas nos próximos dez anos e impulsionaria os investimentos e o crescimento. Toda aquela economia que se imaginou para os dez anos já foi gasta com a pandemia.

Acreditou-se que o BNDES não era necessário para financiar a empresa brasileira e que, portanto, poderia ser, aos poucos, desidratado. Praticamente nenhum discurso em defesa do banco foi feito pelas entidades empresariais. E a palavra desenvolvimento foi extinta do vocabulário do governo.

Durante muitos anos, muito antes da administração liberal de hoje, aceitou-se nos meios empresariais, sem gritos ou sussurros, uma política de juros elevados que claramente desestimulava os investimentos produtivos e destruía a indústria no país. Agora, com a maior recessão da história à vista, o Banco Central volta a elevar juros.

Poucas e honrosas têm sido as reações contra a calamitosa política ambiental deste governo, que arruína a reputação brasileira no exterior e expõe o país a sanções internacionais.

Foram toleradas, sem reação, políticas que confessadamente se destinavam a punir alguns setores empresariais. Foram toleradas ações de procuradores em conluio com juízes para condenar réus, ainda que houvesse o nobre objetivo de combate à corrupção, sem preocupação com destruição de grupos empresariais. Foi tolerado o estímulo ao uso de armas de fogo. Foi tolerada a protelação por três anos da investigação do assassinato de uma vereadora do Rio. Foram tolerados o nepotismo descarado, a ação nefasta na educação, a tentativa de militarização do ensino e a exaltação de ditadores e torturadores.

Por fim, e mais importante, foi tolerada durante um ano inteiro, a negação da ciência e da importância da pandemia, bem como a completa omissão do Ministério da Saúde na condução do combate à doença. Não é razoável acreditar que as classes empresariais estivessem anestesiadas pelo dilema entre salvar vidas e salvar a economia. Agora, os hospitais estão abarrotados de doentes, morrem quase 3 mil pessoas por dia e há 12 milhões de pessoas infectadas com o vírus. Não há mais dúvidas de que a recessão econômica não será superada enquanto a pandemia não for controlada. E isso, segundo a nota assinada por banqueiros, economistas e empresários, exige “uma atuação competente do governo federal”, que “utiliza mal os recursos de que dispõe, inclusive por ignorar ou negligenciar a evidência científica no desenho das ações para lidar com a pandemia”.

Esse triste momento do país traz uma lição que não pode ser esquecida: as classes empresariais precisam se manifestar. Dá tudo errado quando se amedrontam ou se omitem diante das ações do governo. Gostemos ou não dessas opiniões, elas precisam ser explicitadas, até para que sejam confrontadas com propostas de outras representações, como as de trabalhadores, que praticamente sumiram do mapa depois da reforma trabalhista do governo Michel Temer.

Esta coluna já lamentou, anos atrás, a falta que nos faz Antônio Ermírio de Moraes, um dos donos do Grupo Votorantim, morto em agosto de 2014. Enquanto teve forças, ele foi um barulhento e corajoso representante do chamado “setor produtivo”, com apoios à direita e à esquerda, de empresários e trabalhadores.

A Segunda Guerra Mundial é pródiga em lições, e a mais importante delas se refere exatamente a omissões. É impossível não voltar a lembrar o que Winston Churchill disse em suas memórias: teria sido muito fácil evitar a tragédia da Segunda Guerra. Bastava, no fim da Primeira Guerra, manter a derrotada Alemanha desarmada e os vencedores aliados armados. Com isso, seria possível desfrutar de um longo período de paz na Europa. Os aliados viram quando Adolf Hitler tornou o serviço militar obrigatório, foi ampliando seus exércitos e transformou toda a indústria do país em um arsenal bélico. Viram, mas se omitiram. E deu no que deu, 60 milhões de mortos.

É hora de identificar e desarmar perdedores.

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